A equidistância é um termo de significado simples, mas de aplicação difícil. Para aplicá-la de maneira correta, precisamos olhar para os dois lados. Às vezes, manter-nos equidistantes é o ato mais justo. Entretanto, há ocasiões que não requerem uma posição justa e igual em relação aos dois lados: ao contrário, exigem uma escolha. Direita ou esquerda.
Nesta semana, o conflito bélico entre Israel e Palestina tem disputado espaço com o avanço da vacinação e os contínuos casos de infectados e vítimas da COVID-19. Temas menores, mas muito importantes, como a vitória do bloco independentista na Escócia (que, provavelmente, desafiará Londres com a convocação de um referendo), os embates desnecessários e vergonhosos entre os partidos ERC e Junts per Catalunya sobre a formação do governo da Catalunha, e os conflitos na Colômbia ficam, momentaneamente, para trás.
No dia 12 de maio, às 19h50, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, publicou a seguinte mensagem no Twitter: “– É absolutamente injustificável o lançamento indiscriminado de foguetes contra o território israelense. – A ofensiva provocada por militantes que controlam a Faixa de Gaza e a reação israelense já deixaram mortos e feridos de ambos os lados. Expresso minhas condolências às famílias das vítimas e conclamo pelo fim imediato de todos os ataques contra Israel, manifestando meu apoio aos esforços em andamento para reduzir a tensão em Gaza.”. Essa publicação precisa ser analisada de acordo com dois eixos: o tempo e a subliminaridade linguística.
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O portal CNN Brasil publicou uma linha do tempo deste novo confronto entre israelenses e palestinos, e pode ser vista aqui. Não é papel deste editorial explicar os motivos do confronto, as informações estão disponíveis em vários portais de notícias, e é recomendável que vocês estejam informados antes de lerem até o final. O papel deste texto é analisar a mensagem de Jair Bolsonaro.
Todos as pessoas com uma consciência bem preservada concordam que “o lançamento indiscriminado de foguetes” é algo condenável.
Após a exposição de sua opinião, o presidente brasileiro faz uma breve descrição dos ataques contra o território israelense, e “conclama” pelo fim imediato de todos os ataques contra Israel. No fim, manifesta seu apoio aos “esforços em andamento para reduzir a tensão em Gaza”. Porém, a mensagem de Jair Bolsonaro e o seu silêncio nas redes sociais sobre o tema, nesse 13 de maio, oculta as seguintes informações:
- conforme notícia publicada no portal britânico BBC no dia 12, sobre declarações de Boris Johnson a respeito do confronto, 53 palestinos e 6 israelenses foram assassinados desde segunda-feira. Entre os 53 palestinos mortos, havia 14 crianças e 13 mulheres. Boris Johnson, ao contrário de Bolsonaro, exigiu que ambos os lados interrompessem os ataques. Outro líder político que exigiu que os dois lados interrompessem o conflito foi o russo Vladimir Putin. Assim como Johnson, e ao contrário de Bolsonaro, Putin não apenas se limitou a condenar os ataques a Israel.
- de acordo com publicação da CNN feita no dia 12, e atualizada no dia seguinte, 67 civis palestinos haviam perdido suas vidas. Entre as vítimas, 17 eram crianças. A publicação informa que, de acordo com Israel, 15 das vítimas eram militantes do grupo terrorista Hamas. Ou seja, mais pessoas inocentes mortas do que terroristas.
- Bolsonaro, até o momento desta publicação, não citou ou condenou a declaração de ofensiva total feita pelo Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O líder israelense afirmou que “as forças militares de Israel têm ordem clara para usarem o máximo possível de força, e que não devem se preocupar com investigações ou comissões de inquérito”.
Netanyahu on live TV declares deployment of military forces, including militarized border police, into Israeli towns with clear order to use as much force as possible to restore law and order. He says security forces shouldn’t worry about investigations or commissions of inquiry. https://t.co/JNlNRXMSEr
— Jamil Dakwar (@jdakwar) May 13, 2021
As palavras do primeiro-ministro de Israel seguem a linha de raciocínio do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro. Em uma publicação no Twitter, Eduardo critica investigação da ONU sobre a violação de direitos humanos em Israel. Para o deputado do PSL, “é como se bandidos condenassem uma ação da polícia”.
Adivinha contra quem a ONU criou uma comissão oara investigar violações de direitos humanos?
Sim, você acertou, Israel é investigada pela ONU. É como se os bandidos condenassem uma operação da polícia. https://t.co/5eVpfM6ZWx pic.twitter.com/h6mR5Zj0wu
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) May 11, 2021
No dia 12 de maio, às 21h, Eduardo Bolsonaro publicou uma mensagem de apoio a Israel, afirmando que o país “é uma democracia e respeita as mulheres e crianças”. Entretanto, até este momento, o filho do presidente brasileiro não exigiu o fim do conflito, e nem se solidarizou com os civis palestinos que foram assassinados.
De acordo com as informações mais recentes obtidas para este editorial, 113 palestinos foram assassinados. Entre eles, 31 eram crianças. A ofensiva de Israel continuou durante a madrugada desta sexta-feira, bem como os lançamentos de foguetes por parte do grupo Hamas. Vale a pena lembrar que Israel possui um poderoso sistema de defesa, o Domo de Ferro. De acordo com notícia publicada pelo portal G1, com base em informações do exército israelense, o escudo antimíssil israelense havia bloqueado 850 dos 1050 mísseis e morteiros lançados pelo grupo terrorista Hamas.
Desde sua publicação no dia 12 de fevereiro sobre o conflito, em que se limitou a condenar os ataques contra Israel, Jair Bolsonaro, diferentemente de outros chefes de Estado, não se pronunciou sobre a guerra, e menos ainda sobre as vítimas palestinas. Não exigiu que ambos os lados parassem os ataques, apenas “conclamou” o fim imediato dos ataques contra Israel, como se o país não tivesse um forte poder bélico, nem um poderoso sistema de defesa. Novamente: qualquer tipo de ataque organizado por um grupo terrorista é censurável. Entretanto, quando um dos lados possui sistemas de ataque e defesa imensamente poderosos, e o usa de maneira desenfreada, sem se importar se pessoas inocentes, especialmente as crianças, serão gravemente feridas ou mortas, há um problema.
As palavras dizem, mas a ausência delas, tanto na mesma mensagem quanto no tempo transcorrido posteriormente, diz ainda mais. Jair Bolsonaro, de maneira evidente, e seu filho, de modo abominável, ignoram os civis palestinos inocentes que perderam suas vidas. Palavras feias, e um silêncio ainda mais perturbador. Sem dizerem, apoiam as palavras do Primeiro-Ministro israelense: “o máximo possível de força”. E, de maneira clara, o filho de Bolsonaro tenta deslegitimar as investigações da ONU sobre a violação de direitos humanos por parte de Israel. Mais uma vez, como de costume, usa um termo pouco adequado para a sua condição de representante político.
O presidente brasileiro soube escrever uma mensagem de condenação dos ataques contra Israel, mas… Por que se cala diante do fato de Israel não fazer uma distribuição justa das vacinas para a Palestina? Entretanto, Israel enviou diversas doses para o exterior, como recompensa aos países que levaram suas embaixadas para Jerusalém. Como explicará o aumento astronômico de seu salário e de outros ministros (leiam a notícia) enquanto milhões de brasileiros, inclusive vários de seus seguidores e fãs da intervenção militar, não têm o que colocar no prato? Como explicar que um país como o Vietnã, com muito menos recursos, alta densidade populacional e um sistema de saúde mais precário que o do Brasil, soube lidar com o desafio da pandemia, e terminou 2020 com um crescimento econômico de 2,9%? Não por acaso é destaque em uma matéria do Fundo Monetário Internacional.
Criticar mensagens e atos do presidente brasileiro não significa estar posicionado em um dos lados do espectro político. Significa usar o exercício da análise fria e o rigor informativo para provocar uma reflexão nos leitores. E, a partir da reflexão, e não da reação, mudar determinados padrões de pensamento.