Rapper catalão é preso, Cifuentes é absolvida e o neonazismo tem via livre na Espanha

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Não estamos aqui para buscar um sonho: nós somos o sonho“. Essa foi uma frase dita pela saudosa Muriel Casals, em 2013, durante o Concerto pela Liberdade, no estádio do Barcelona. Infelizmente, o sonho de Muriel de celebrar a independência da Catalunha não se realizou, e se foi em 14 de fevereiro de 2016. Cinco anos depois, exatamente, os partidos independentistas conseguiam uma vitória histórica nas eleições catalãs: maioria absoluta no Parlamento e mais de 51% dos votos. A notícia esteve presente em diários de diversos países.

O sonho desse 14 de fevereiro de 2021, um domingo, precedeu um dia de pesadelo. O rapper catalão Pablo Hasél, a fim de não ser levado pelos Mossos d’Esquadra para a prisão, se trancou na reitoria da Universidade de Lleida. Até o momento da produção deste editorial, o artista ainda estava na Universidade, acompanhado por seus seguidores. Hasél enfrenta condenação de nove meses de prisão por, segundo a Justiça espanhola, ter composto canções que “faziam apologia a atividades terroristas e graves injúrias à Monarquia espanhola”. Nesse mesmo dia de alta tensão, Cristina Cifuentes, que foi presidenta da Comunidade Autônoma de Madrid, foi absolvida após ser investigada por falsidade acadêmica. Entretanto, o histórico de Cifuentes, ex-política do Partido Popular (PP) envolve outros escândalos que, espantosamente, não lhe condenaram. Para fechar com chave de ouro (ou seria azul?), foi notícia nesse 15 de fevereiro uma manifestação de 300 neonazistas em Madrid, que fizeram uma homenagem à Divisão Azul, a unidade de soldados espanhóis que lutaram ao lado de Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial.

O Caso Cifuentes: obtenção fraudulenta de título de Mestrado?

María Cristina Cifuentes, nascida em 1964, foi Presidenta da Comunidade Autônoma de Madrid entre 2015 e 2018. Durante seu mandato, a madrilenha também presidia o Partido Popular da Comunidade de Madrid, e ficou nesse cargo até 2018. Por que tudo terminou naquele ano?

O mês de abril de 2018 foi, para Cifuentes, um autêntico pesadelo. Foi chamada à Assembleia de Madrid para dar explicações sobre a suposta obtenção irregular de seu título de Mestrado em Direito Autonômico pela Universidad Rey Juan Carlos (URJC). O curso em questão correspondia ao período letivo 2011 – 2012.

A investigação do histórico acadêmico de Cifuentes veio à tona em 21 de março de 2018, por meio de uma publicação do portal Eldiario.es. O titular da publicação era: “Cristina Fuentes obteve seu título de Mestrado em uma universidade pública com notas falsificadas“. Segundo a investigação, os trabalhos “La financiación de las comunidades autónomas” e “Trabajo Fin de Máster“, que equivaliam a 27 créditos do total de 60 do curso, foram qualificadas no expediente acadêmico de Cifuentes, em 2012, como “não apresentados“. Porém, em 2014, uma funcionária da Universidade alterou a qualificação final, de “não apresentados” para “notable” (equivalente a uma nota entre 7 e 8).

Cifuentes, então, foi julgada com mais duas pessoas: Cecilia Rosado e María Teresa Feito. Vale a pena mencionar que, antes de ser julgada, Cristina Cifuentes foi processada, em novembro de 2018, pela juíza Carmen Rodríguez-Medel por falsidade de documento. Mas… quem eram exatamente Cecilia Rosado e María Teresa Feito?

Cecilia Rosado era professora da URJC. Ela, diferentemente de Cifuentes, foi condenada a um ano e seis meses de prisão. No julgamento, Rosado confessou ter sido responsável pela falsificação do expediente, e por ter falsificado a assinatura de outras duas professoras. Segundo Rosado, ela fez isso “por medo”, pois estava “sofrendo fortes pressões” por parte de seu chefe, o já falecido catedrático Enrique Álvarez Conde, e de María Teresa Feito, que foi condenada a três anos de prisão por induzir o delito de falsidade. A título de curiosidade, María Teresa Feito era assessora da Conselharia de Educação do governo de Madrid. E Enrique Álvarez Conde, por sua vez, além de ser o diretor do Mestrado de Cristina Cifuentes, ostentou um cargo de confiança no governo do PP na Espanha (o mesmo a que pertencia Cifuentes) entre 1996 e 1999, que era liderado por José María Aznar.

Finalmente, Cristina Cifuentes foi absolvida por “não terem sido encontradas provas de que ela teria induzido a falsificação do expediente acadêmico”.

O roubo de creme no supermercado

O histórico de Cifuentes tem mais um fato, revelado, também, em abril de 2018. O portal OkDiario publicou um vídeo de 2011 que mostrava Cristina Cifuentes sendo retida por um segurança após ter roubado potes de creme no supermercado Eroski, na região de Vallecas, situado à frente da Assembleia de Madrid, onde a ex-Presidenta madrilenha trabalhava. Conforme reporta o diário ABC (que mostra o vídeo) depois de a Polícia confirmar o fato, Cifuentes não foi detida pela Polícia pois, ao posteriormente abonar o valor do produto, decidiu-se que “não seria necessário levar o caso à frente”. O escândalo levou Cristina Cifuentes a abdicar do governo da Comunidade de Madrid, em 28 de abril.

Desfile neonazista em Madrid

A agência russa (outra vez os russos…) Ruptly publicou um vídeo no Twitter mostrando um desfile de 300 pessoas que homenageavam os soldados espanhóis que lutaram ao lado de Adolf Hitler na II Guerra Mundial. A manifestação em homenagem à Divisão Azul, conforme apresenta o portal La Marea, foi organizada pelo grupo neonazista madrilenho Juventud Patriota, e contou com membros de grupos afins, como La Falange e España2000.

Com cartazes em que podia-se ver escrita a mensagem “Honra e glória aos caídos”, os participantes cantaram canções fascistas e fizeram o típico gesto nazista. Durante os discursos, um dos oradores disse que “é uma suprema obrigação lutar pela Espanha, lutar pela Europa, agora fraca e liquidada pelo inimigo. O inimigo sempre vai ser o mesmo, ainda que com máscaras distintas: o judeu“. Outro orador apelou ao exercício do fascismo e do negacionismo em relação à COVID: “Vocês precisam desobedecer o toque de recolher, se reunir com seus familiares e amigos. Abracem, cantem e vivam alegres, porque o fascismo é alegria”.

E agora?

Com a permissão de Gerard Piqué, que fez essa pergunta depois do anúncio da vitória independentista nas eleições catalãs, indago o mesmo. E agora? No ano passado, escrevi sobre a perseguição do Estado espanhol contra o palhaço Jordi Pesarrodona, acusado de ser um “escudo humano” durante o referendo de 2017, mas, ao mesmo tempo, protegia o rei emérito Juan Carlos I, que fugiu da Espanha após a divulgação dos casos de corrupção que envolviam o seu nome.

Eu me pergunto (e também a vocês) até quando a União Europeia manterá os olhos fechados para o que tem acontecido nos últimos anos na Catalunha e na Espanha. Permitam-me fazer esta distinção: Catalunha e Espanha, dois lugares completamente diferentes. A primeira é obrigada a buscar justiça na Bélgica e em outros países europeus para demonstrar a inocência dos líderes políticos catalães perseguidos pelo Estado espanhol por terem organizado um referendo, e acusados de “rebelião, sedição e malversação”. Buscaram e encontraram essa justiça, como vocês podem ver nesta publicação e nesta matéria. A segunda, porém, criminaliza referendos, manda para a prisão artistas que criticam a Monarquia, e absolvem aquelas pessoas afins ao projeto político espanhol. Ah, e um Estado espanhol que permite a manutenção e o crescimento de grupos neonazistas, enquanto reprime dissidentes políticos.

Todo atado y bien atado“, já dizia Francisco Franco.

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