Sergi Blasi nasceu em Barcelona em 1970. Mas o amor e um acidente de trânsito o fizeram mudar todos os seus planos e viajar até o Brasil, onde, há uma década, este catalão encontrou o seu “paraíso privado”.
Em entrevista ao Aqui Catalunha, Blasi conta a sua história pessoal e fala sobre o acidente, o amor e a família. Também explica, de maneira bem franca, como viveu os últimos anos do conflito político entre a Catalunha e a Espanha.
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O que te trouxe para o Brasil?
Eu tive um acidente de motocicleta no dia 5 de junho de 2008, na estrada de Tossa Vidreres, na província de Girona (Catalunha). Caí e perdi uma perna. Eu era chefe de cozinha e, na época, estava conhecendo a minha atual esposa através de Internet. Eu tinha planejado uma viagem para o Brasil no mesmo ano do acidente, mas, obviamente, não fui. Ela me visitou em fevereiro de 2009, e começamos a ter um relacionamento a distância. Depois, eu fui para o Brasil com a intenção de ficar um ano. Mas olha, já faz dez anos que estou aqui. Nos casamos e agora temos uma filha de quatro anos.
Imagino que o acidente tenha sido um ponto de inflexão.
Sim. Depois do acidente, a minha personalidade, o meu jeito de ser, o meu temperamento, a minha vida deu uma volta de 360 graus. Sou mais sensível, uma pessoa melhor, tudo isso devido à incapacidade. É incrível porque até você não sofrer isso, você não percebe a realidade. Para vir até o Brasil também foi decisivo o fato de eu receber uma pensão que não era suficiente para morar na Catalunha. Eu ainda não estava em condições de trabalhar, meu trabalho era muito físico. Mas, claro, aquele dinheiro transformado em reais se triplicava por três na época e isso me ajudou muito. Eu não precisava depender mais de ninguém. Então acabei me convencendo de que o Brasil era o destino perfeito para mim, tanto para minha esposa quanto para minha situação financeira.
E agora vocês moram em Aracaju.
Compramos uma casa na periferia da cidade e aqui estamos, aproveitando ao máximo a vida. Onde eu moro é o meu paraíso particular, é fantástico. Aqui se vive muito bem. Quando tivemos nossa filha, decidi me dedicar totalmente a ela. E é isso o que eu faço. Por enquanto ela só fala português, mas eu falo catalão com ela e ela me entende. Tenho certeza que ela vai acabar falando catalão.
E, estando no Brasil, como você viveu os últimos episódios do conflito político entre a Catalunha e a Espanha?
Para mim, o dia 1º de outubro marcou um antes e um depois. Foi um chute na bunda da Espanha na Catalunha. Outro. É uma pena porque a Espanha é um país lindo e eu amo muitos espanhóis, mas as instituições, o governo espanhol e a sua maneira de fazer as coisas são monstruosas. Você pode colocar isso em maiúscula, sublinhado e em vermelho. O tratamento que ele está tendo com a Catalunha é desumano. Eu estou muito bravo. Sou pró-independência e não nego isso, mas eu sou da opinião de que, se a Espanha tivesse realizado um referendo vinculativo, teria ganhado o “não” à independência, como aconteceu na Escócia. Além disso, o sistema judiciário fede e a aristocracia vai cair pelo seu próprio peso. A monarquia espanhola, autoritária e ditatorial, tem os dias contados.
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E agora?
A situação, atualmente, está uma merda. Não sei o que vai acontecer. Teríamos uma força maior se todos os grupos pró-independência se unissem e falassem “ou vocês param a repressão ou não haverá mesa de diálogo nem nada”. E, se continuar do mesmo jeito, seria necessário ameaçar com uma Declaração Unilateral da Independência (DUI), diretamente, é claro.
Os brasileiros ao seu redor, o que eles sabem sobre o que acontece na Catalunha?
Os brasileiros se preocupam muito pouco com o que acontece lá. Interessa apenas aos intelectuais. Mas agora temos uma grande notícia, que é a transferência de Domènec Torrent para o Flamengo. É uma grande oportunidade, e alguns meios de comunicação brasileiros já começaram a dizer que ele se sente melhor se você falar que é catalão e não espanhol. Tenho muito orgulho de que seja um catalão quem lidere um dos maiores times da América e um dos mais importantes do mundo. É preciso repetir que o treinador é catalão e isso é muito bom para a saúde linguística e cultural do nosso pequeno país.
Entrevista feita por Carla Samon Ros