Eleições na Catalunha: o que saber sobre elas?

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Teremos eleições na Catalunha no dia 14 de fevereiro próximo. Para os leitores que ainda não conhecem a questão política e territorial da Espanha, vale lembrar que o país é uma colcha de retalhos formada por “nacionalidades distintas”, e não por acaso a Constituição espanhola foi forjada no chamado “Pacto de la Moncloa”, no qual foram reconhecidas e criadas as autonomias, as quais se constituem de regiões com culturas próprias, idiomas distintos, sendo o castelhano o idioma oficial comum, e o catalão, galego, basco e aranês, idiomas cooficiais. Nesse contexto, estão inseridas três autonomias que são independentistas, a Catalunha, o País Basco e a Galícia (em menor medida).

Cobertura das eleições catalãs 2021

A Catalunha vivia, até um ano atrás, antes da pandemia, um período de convulsão social forte, desde que seu Estatuto foi tolhido pela Tribunal Constitucional – TC, cuja sentença recortou 14 artigos, e submeteu a interpretação outros 27. O tema se havia acirrado ainda mais quando foi proclamada a República pelo parlamento catalão, no dia 27 de outubro de 2017, depois do referendo do dia 1º de outubro do mesmo ano. Naquele escrutínio, votaram 2.286.217 pessoas (participação de 43% do censo). O ‘sim‘ obteve 2.044.038 votos (90,2% dos votos válidos); o ‘não‘, por sua vez, 177.547 votos (7,8%), e 44.913 votaram em branco (2%). Também houve 19.719 votos nulos. O governo espanhol não aceitou negociar a realização do referendo, promoveu uma violenta repressão no dia da eleição plebiscitária e, depois dos acontecimentos, judicializou o processo político, de forma que os principais dirigentes do governo e do parlamento catalão foram processados e presos, tendo o chefe de governo e mais dois conselheiros se refugiado na Bélgica, os únicos que não estão presos.

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Quando veio a pandemia e o confinamento dos cidadãos, primeiro por meio do lockdown e, depois, pelos afrouxamentos e fechamentos sucessivos, a proibição de manifestações e reuniões foi naturalmente posta em prática. Assim, a Catalunha passa por restrições severas no que se refere à liberdade cidadã, devido à COVID, incluindo a não permissão de traslado de um município a outro. Com o agravamento atual da situação sanitária, o governo da Catalunha havia resolvido suspender as eleições gerais para a governança da territorialidade, inicialmente previstas para o dia 14 de fevereiro próximo, determinando 30 de maio como nova data. Vale lembrar que essas eleições só foram convocadas porque o presidente da Catalunha, Quim Torra, que sucedeu Carles Puidgdemont (hoje exilado na Bélgica), foi condenado à inabilitação pela justiça espanhola (tendo sido apeado da presidência do Govern em 30/09/2020) por manter na sacada do prédio da governadoria, e em quase todos os edifícios públicos, faixas alusivas, principalmente, aos líderes independentistas catalães presos, ainda que muitas delas apenas pedissem a liberdade de expressão, o que deveria ser normal numa autonomia constitucional.

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Como tudo na Catalunha é judicializado, no dia 19 de janeiro, a justiça determinou, a pedido de quatro partidos políticos nanicos (partidos sem representatividade parlamentária), que as eleições catalãs deverão ser mesmo realizadas no dia 14 de fevereiro, independentemente do estado de exceção por que passa a Catalunha, devido ao agravamento da pandemia ultimamente. Ou seja, não permitiu o adiamento consensuado. O motivo parece muito claro: uma das enquetes eleitorais feitas dava como possível vencedor dessas eleições o até então ministro da saúde Salvador Illa, um catalão anti-independentista do PSC, bombado naturalmente pelas verbas que todos os governos (em qualquer lugar do mundo, menos o Brasil) dedicam ao combate à pandemia.

Há muito que os políticos espanholistas, sejam de esquerda ou direita, se escoram na justiça (totalmente politizada em face da questão catalã) para obter benefícios políticos que, certamente, nenhum partido democrata decente ousaria enfrentar de cara, como é o caso presente do negacionismo ao adiamento de uma eleição face a um recrudescimento brutal e inesperado da pandemia. Ironia das ironias, paradoxo dos paradoxos, escárnio dos escárnios, o mais relevante dos contraditórios já vistos na história recente da humanidade, justamente quem está se beneficiando dessa esdrúxula e inexplicável decisão judicial é justamente o ministro que “cuidava” do controle da pandemia. Ele mesmo baixava normas para proibir que mais de duas pessoas se encontrassem, a menos que, comprovadamente, fossem familiares. Justo ele que, até poucos dias atrás, era quem estava à frente da saúde pública espanhola e, além disso, impunha essas fortes restrições, impostas corretamente contra a maioria, mas quando uma decisão judicial foi tomada a seu favor, fez de conta que não era com ele. Para ser correto, deveria ter entrado com uma contestação como titular da pasta da saúde junto à justiça, inclusive se afastando das eleições por questões éticas, mas nada… preferiu aliar-se aos piores interlocutores do poder judiciário que, hoje em dia, manobram para que esses juízes conservadores e totalmente politizados imponham qualquer derrota ao povo catalão gratuitamente, qualquer que seja a causa. Por paradoxal que seja, justamente o governo de Pedro Sanchez só está de pé justamente porque a ERC – Esquerra Republicana de Catalunya vem se abstendo, o que garante o governo de minoria.

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Nesta semana, porém, ERC deu o troco: o decreto governamental que aprovaria a distribuição da ajuda da comunidade europeia para os países afiliados precisava da abstenção do partido que, desta vez, votou ‘não‘, dada a traição do próprio governo. Resultado: o nervosismo foi grande, principalmente porque o governo da Itália caiu esta semana por não conseguir aprovar seu decreto de distribuição da ajuda vinda da UE. Então, foi preciso uma negociação de última hora, encoberta, justamente com a escória da extrema-direita aboletada no partido VOX, porque nem Ciudadanos (Cs) e nem o Partido Popular (PP) se abstiveram.

Por outro lado, o pior da “novela pastelão” é que os aliados de ocasião de Illa haviam exigido que ele se afastasse do ministério para fazer a campanha eleitoral, mas ele não queria sair, porque perderia visibilidade. O TSJC – Tribunal Superior de Justiça da Catalunha – havia fixado “no máximo até 8 de fevereiro para publicar uma decisão que resolvesse as questões substantivas dos recursos, o que teria aberto a porta, embora fosse improvável, para que as eleições pudessem ser adiadas apenas seis dias antes de serem realizadas, e com a campanha eleitoral em andamento”. E ainda arrematou na dita sentença: “Isso não significa que não possa haver mudanças substanciais entre agora e 14 de fevereiro, tanto nas normas regulatórias do estado de alarme quanto no campo da saúde, derivadas da evolução negativa da epidemia, o que poderia justificar outra decisão das autoridades competentes adotado de acordo com a lei, levando em consideração essas novas circunstâncias”.

Só uns juízes instrumentalizados para não perceberem o quão é insano não adiar e, ao mesmo tempo, não manter uma eleição a apenas seis dias de sua realização. Desde 1714, a Catalunha só leva paulada, e a União Europeia continua fazendo cara de presépio. Haja paciência para os catalães.

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