Vivint i Aprenent, ou como viver a aprendizagem da língua catalã. O título desta entrevista com Eliana Freitas é um laço que adorna a caixa de presente. Uma caixa com a cor que a imaginação de vocês permitir, e cheia de surpresas. Dentro dessa caixa, um mundo a ser descoberto (Catalunha) e uma música a ser ouvida (a língua catalã).
Esta entrevista é a etapa em que Vivint i Aprenent diz ‘Olá’ ao público. Um ‘Olá’ que passou dúzias de meses de preparação, de esforço e segredos muito bem guardados. Um ‘Olá’ que tem muito a nos dizer e ensinar que a perseverança é um dos caminhos mais seguros para a concretização de um objetivo. E foi por meio desse caminho que Eliana Freitas trilhou, de Manaus a Barcelona, do Brasil para a Catalunha, de suas primeiras anotações de novas palavras em uma biblioteca para o seu incrível relato no Aqui Catalunha.
Eliana Freitas nasceu em 1976, na cidade de Manaus. Trabalhou como vendedora e, depois, como secretária em um departamento de Educação em sua cidade natal. Aos 29 anos, decidiu cruzar o oceano para viver na Catalunha, onde publicou seu primeiro livro, ‘Ajudeu-me, el crit d’una llengua que vol seguir viva‘ (Ajudem-me, o grito de uma língua que quer seguir viva) descrito nesta entrevista. Agora, Eliana nos conta como é viver e aprender o catalão, língua do poeta Miquel Martí i Pol, autor poema Ara mateix, marcado pelo verso ‘Tot està per fer i tot és possible‘ (Tudo está por se fazer e tudo é possível).
O que é o projeto Vivint i Aprenent e por que você decidiu criá-lo?
Vivint i Aprenent (V&A) é um projeto de incentivo à aprendizagem da língua catalã. Escolhi o vocabulário como nicho motivada pelas palavras do poeta Salvador Espriu: “Hem viscut per salvar-vos els mots, per retornar-vos el nom de cada cosa”. Na verdade, esse é o segundo de três projetos que decidi criar para somar com todas aquelas pessoas e instituições catalãs (ou não) que trabalham a favor da língua. Para entendê-lo melhor, precisamos voltar ao ano 2006, quando cheguei na Catalunha como monolíngue.
Ao descobrir a existência da língua catalã e ao começar a estudá-la de forma autodidata, no momento de fazer as práticas no dia a dia percebi o seguinte contexto: os catalães (com exceções) não compartilhavam a língua, porque os imigrantes não a falavam, e os imigrantes não a falavam porque os catalães não a compartilhavam. Gosto desse tipo de desafio mental, por isso comecei a observar e analisar tudo nesse contexto, para ver como poderia contribuir, já que também me tornei parte dessa sociedade e contexto. Queria encontrar uma forma de conversar com os dois grupos, autóctones e imigrantes.
Comecei a me preparar para escrever um livro. Nunca nem me havia passado pela cabeça essa possibilidade, e o desafio se multiplicava por ter que escrevê-lo em outra língua que não era a minha materna. Em 2014, o Jordi Solé, diretor de Voliana Edicions, publicou o meu primeiro livro escrito em catalão, um ensaio em forma de autobiografia linguística chamado Ajudeu-me, el crit d’una llengua que vol seguir viva, dirigido aos catalães, em que tive a oportunidade de apresentar o tema linguístico em vários lugares desde a perspectiva do imigrante.
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Pelo que vejo, os três projetos se complementam. Falemos um pouco mais sobre o livro. Como o livro é uma autobiografia, isso te confere um protagonismo que, pelo que li, foi compartilhado com a Montserrat, a quem você chamava de Montse. Você cuidou dela durante muitos anos, e teve a oportunidade de passar por um processo de imersão linguística. Qual foi a contribuição da Montserrat no teu processo de aprendizado do catalão?
A Montse nasceu em 1918, nem preciso entrar em detalhes sobre o conhecimento que ela tinha adquirido por meio das experiências. Ela tinha muitas histórias para contar sobre as coisas que vivenciou no período da ditadura. No tempo que ela foi a escola, o ensino de catalão era proibido e, por isso, foi aprendendo a língua aos poucos, com o passar dos anos, assistindo à TV, ouvindo a rádio, lendo livros. Ela gostava muito de ler quando não estava costurando. Logicamente, não dominava a gramática, mas pronunciava bem as palavras. Quando comecei a enriquecer o vocabulário, eu escrevia as palavras no papel, e pedia à ela que lesse enquanto gravava a sua voz, assim eu poderia ouvir depois, enquanto fazia meu trabalho. Às vezes, eu deixava o computador de lado e assistia à TV com ela, que adorava fazer comentários. Quando faziam uma mesa redonda, eram cinco na TV e a Montse do outro lado como comentaristas. Às vezes, ela baixava o volume pra que eu escutasse só o que ela tinha pra comentar sobre o tema. Na sua simplicidade, a Montse me ensinou muito de forma direta e, principalmente, indireta, quando compartilhava comigo outras pessoas que dominavam a língua catalã na TV.
No tempo que ela foi a escola, o ensino de catalão era proibido e, por isso, foi aprendendo a língua aos poucos, com o passar dos anos, assistindo à TV, ouvindo a rádio, lendo livros.
Ajudeu-me tem umas características e uns fatos bem interessantes. Você chegou na Catalunha, se deparou com duas línguas que não conhecia, enfrentou dificuldades no momento de aprendê-las e, ainda assim, se propôs escrever um livro em catalão. Como foi esse processo de produção de um livro em outra língua? Com que tipo de suporte você contou?
Começo pelo fim da pergunta. Quando penso em suporte, a primeira coisa que me vem à mente são dois nomes, Júlia Gaset e Esteve Mach (filha e genro da Montserrat). Essas pessoas fizeram tudo que estava ao seu alcance pra me ajudar em vários contextos. Eles, com a Montse, são os responsáveis por terem despertado em mim essa paixão pela língua catalã, porque eles exalavam essa paixão com as atitudes, com os esforços que faziam pra que eu pudesse aprender. Comecei a estudar em casa nas horas vagas, e adquiri um conhecimento básico da língua nos primeiros anos morando com a Montserrat. Com o passar dos anos, ia adquirindo mais conhecimento, ao mesmo tempo que observava e analisava o comportamento linguístico tanto de autóctones quanto de imigrantes. Somado a isso, eu analisava as opiniões de especialistas, as entrevistas, os relatórios que encontrava na internet…
A primeira coisa que me veio à mente foi escrever uma carta e publicá-la na internet, mas logo pensei: “Quem vai querer ler essa carta?” E descartei a possibilidade. Algumas semanas depois, começaram a fazer apresentação de livros na TV3 (a Televisão da Catalunha), já que Sant Jordi estava próximo. Pensei: “Vou escrever um livro”. Como tinha o computador diante, abri a página do Google e digitei “Como se escreve um livro?”. E comecei a ler tudo a respeito. O primeiro capítulo de Ajudeu-me que escrevi foi o último, o capítulo 10. No dia 11 de setembro de 2011, um domingo, pensei: “Vou ao Parc de la Ciutadella, pois é possível que alguém fale alguma coisa do meu interesse investigativo”. Guardei as informações daquele dia pra usá-las depois. Quando havia escrito os seis primeiros capítulos, falei pra Júlia e para o Esteve que estava escrevendo um livro, expliquei o contexto, qual era meu objetivo, e pedi pra eles lerem o que já havia escrito, pois como eu me dirigia aos catalães no livro, achei que seria interessante o feedback desses dois catalães, que sempre foram muito sinceros comigo. Eles leram, ficaram entusiasmados e me disseram: “Segue escrevendo, que isso pode ser interessante pra ser publicado”. Quando acabei de escrever os nove primeiros capítulos, peguei as informações que tinha de 11 de setembro de 2011, e adicionei o texto que faltava pra dar sequência lógica ao contexto geral.
Quando me proponho algum desafio como esse, a primeira coisa que faço é definir onde quero chegar, identifico quais são os problemas existentes nesse contexto, pra poder ir em busca de uma solução. É como se eu comprasse um quebra-cabeça da Sagrada Família, o meu objetivo já está definido, ou seja, eu tenho que montar a Sagrada Família. Durante o trajeto traçado de um extremo ao outro (início e fim), vou colhendo todas as informações que podem ser relevantes, e vou guardando em pastas separadas por categorias (são as peças do jogo). As peças que não se encaixam são os argumentos contraditórios que eu preciso analisar detalhadamente pra rebatê-los, caso seja necessário. Guardo essas “peças” em uma pasta específica.
Tinha acabado de escrever tudo quando o Esteve me convidou pra ir à apresentação de um livro, foi quando conheci o Jordi Solé. Naquela noite, entre tantas coisas, ele tocou no tema linguístico e na importância de seguir falando em catalão com os imigrantes… Conversamos na saída, ele achou relevante, e decidiu publicá-lo.
Você disse que o livro é voltado ao público catalão. Você conseguiu seus objetivos com Ajudeu-me? Vejo que o prólogo foi escrito pela Muriel Casals. Como você a conheceu? De que forma ela contribuiu além do prólogo? Como ela te inspirou? O que você poderia falar as pessoas sobre a Muriel Casals?
Sobre a primeira pergunta: sim e não. ‘Sim’ porque o objetivo do livro, por meio das histórias e argumentos, é conscientizar os autóctones sobre a importância de compartilhar a língua com os imigrantes. ‘Não’, porque, apesar de haver ido a vários lugares na Catalunha pra apresentá-lo, muitas pessoas ainda não tiveram acesso.
https://aquicatalunha.com.br/produto/ajudeu-me-el-crit-duna-llengua-que-vol-seguir-viva/
Para as pessoas que não sabem nada a respeito, a Muriel Casals era formada em economia, foi professora universitária, política e presidente de Òmnium Cultural. Sempre a via em algum programa na TV dando entrevistas, participando de alguma mesa redonda. O seu aspecto físico me transmitia muita ternura mas, ao mesmo tempo, sua inteligência, firmeza e, principalmente, sua determinação eram dignas de admiração e inspiração. Ela era aquele tipo de pessoa que, provavelmente, tinha que se desdobrar diariamente pra encontrar um espaço vazio na agenda.
Conheci a Muriel Casals graças ao Esteve. Queria muito ter tido o privilégio de tê-la conhecido melhor pessoalmente. Um dia levei um buquê de flores pra ela, pra agradecer a gentileza de ter escrito o prólogo do livro. O Esteve e a Júlia me acompanharam nesse dia, e a Muriel nos deu atenção, como se não tivesse nenhum compromisso na agenda. Uns dias depois, ela enviou um email pra agradecer de novo pelas flores, e explicou o que tinha feito para que as flores durassem mais tempo… Resumindo, uma pessoa encantadora. Infelizmente, ela faleceu em 2016, em um acidente.
Ajudeu-me é seu primeiro projeto a favor da língua. Você já tinha tudo definido desde o princípio sobre os três projetos?
Não! O que eu sabia, no início, era que gostaria de conversar com os dois grupos. A princípio, tinha pensado em chamar o segundo projeto de Visc a Catalunya, mas não estava tão convencida, porque isso poderia limitar a dinâmica do que será o terceiro projeto.
No dia 6 de maio de 2016, fui convidada a assistir à celebração do 20º aniversário da CAL (Coordinadora d’associacions per la llengua catalana), e prestei atenção em tudo que falavam, em especial o brilhante manifesto apresentado pelo escritor Vicenç Villatoro, intitulado “La llengua sí que importa“. Digo ‘brilhante’ porque prefiro argumentos que têm como base a realidade. Naquela noite, ouvi tudo que precisava para fechar o esquema mental de como deveria conduzir V&A.
Com as peças do quebra-cabeça separadas, comecei a montá-lo. Sabia onde queria chegar e como, então, dei o seguinte passo, que era adquirir equipamentos, porque tudo o que eu tinha naquele momento era um computador pequeno e velho, que demorava muito para processar as informações.
Em 2017, aceitei fazer companhia à Sra. Teresa à noite, na cidade de Mataró, que fica, a mais ou menos, 45 minutos de trem de Barcelona, onde moro. Eu saía do trabalho em Barcelona no fim do dia, passava em casa pra pegar roupa para o dia seguinte, e pegava o trem em direção a Mataró. Às 7h:30 da manhã, pegava o trem em direção a Barcelona e ia diretamente para o trabalho. Fiz isso durante um ano, e todo o dinheiro desse trabalho foi destinado à aquisição de equipamentos como computador, câmeras, kit de iluminação, microfones, slider, drone, tripés, monopés, estabilizadores, cartões de memória… Isso porque idealizei um formato audiovisual para o projeto.
Que conhecimento você tinha sobre trabalho audiovisual?
Naquela época, nenhum! Fui comprando os equipamentos e aprendendo a usá-los. Em 2018, comecei a estudar, em casa, sobre edição de vídeos no Adobe Premiere. Também comecei a pesquisar todo tipo de aplicativos que poderiam ser úteis no projeto. Assisti praticamente a todos os capítulos de El Foraster, na TV3, colocando-me na pele do diretor. Fiz o mesmo com os filmes e séries da Netflix, pois queria entender como eram feitas as imagens, onde se posicionavam os câmeras de acordo com a iluminação, o posicionamento das câmeras para capturar imagens de diferentes ângulos, no caso de entrevistas…
Em 2019, fiz uma imersão no mundo das redes sociais, comecei a seguir todo mundo pra entender a dinâmica desse fenômeno da informação e também do marketing digital, que continua crescendo, principalmente neste contexto de pandemia. Queria saber como poderia adaptar todas as ideias do projeto a essas plataformas.
Você sempre fala aos catalães sobre a importância de não mudar de língua diante dos imigrantes, mas você está usando três línguas em V&A, em que, muitas vezes, se dirige aos seguidores em português. Por quê?
V&A é um projeto dirigido tanto aos lusófonos que moram na Catalunha quanto aos que nunca colocaram os pés aqui, pessoas que não têm noção nenhuma do catalão, e não têm contato no dia a dia. Quando falo em português, adiciono o espanhol na legenda porque alguns amigos hispanofalantes disseram que gostariam de entender o que falo em português. E adiciono o catalão para que as pessoas possam ir vendo as semelhanças e diferenças entre essas línguas. Dessa forma, posso me comunicar com três públicos sem precisar gravar a mesma coisa três vezes.
Acredito que todas as línguas são importantes e podem ser úteis para auxiliar no aprendizado do catalão. Quer um exemplo? Se você se matricula no curso virtual parla.cat, você tem a opção de escolher uma entre quatro línguas pra iniciar seus estudos: espanhol, inglês, francês e alemão. Por quê? Para que você possa compreender o básico do que está sendo ensinado da língua catalã. Quando minha irmã veio fazer o mestrado aqui, tive o privilégio de acompanhá-la na aula de acolhimento na Universitat de Lleida. A comunicação com os novos alunos foi feita em catalão, espanhol e em inglês. Com o passar dos dias, minha irmã já começava a entender quando os professores falavam somente em catalão. As pessoas que me ajudaram a aprender catalão quando cheguei utilizavam o espanhol quando eu tinha alguma dúvida. Depois de terem tirado as dúvidas, eles voltavam a se comunicar em catalão comigo.
Há uma parte de um poema catalão que diz: “Não me pergunte o porquê, mas amo de coração a minha língua; não me pergunte em vão, só posso te responder porque sim, porque é a minha língua“.
A minha língua materna me traz muitas recordações. Quando estava no Brasil, eu não gostava de algumas músicas, mas aqui, do outro lado do oceano, quando ouço as mesmas músicas cantadas em português por algum artista no metrô, me alegra, porque é a minha língua. O português é a língua que utilizo nas redes sociais pra me comunicar com minha família e amigos, que estão a milhares de quilômetros da Catalunha. Eles não entendem o catalão, e não têm contato diário com a língua pra aprendê-la.
Onde quero chegar com isso? No manifesto apresentado pelo Sr. Villatoro, La llengua sí que importa, em que ele aborda o tema de forma brilhante.
Nesse manifesto, o Sr. Villatoro apresentou alguns exemplos que mostram qual é a realidade presente. Quando um catalão vai morar em Londres, ele encontra outros catalães, participa de atividades sociais, vivenciam um contexto catalão onde a língua utilizada é a sua materna. Falam sobre a política catalã, dançam e cantam as músicas catalãs. Por quê? Porque essa é a sua identidade. Mas quando esses catalães saem da sua intimidade, eles votam no prefeito de Londres e falam inglês. Na Catalunha, eu posso lutar a favor da língua catalã sem precisar enterrar a minha língua materna, porque se o fizesse, estaria enterrando minhas origens da qual não me envergonho.
Tal como falou o Sr. Villatoro, “dentro de um território, se falarão línguas muito diferentes”: é preciso entender que essa é uma realidade imutável e, a partir daqui, incentivar as pessoas das mais diferentes nacionalidades a adotarem o catalão como a língua da praça pública nos territórios de fala catalã. Segundo o Sr. Villatoro, quando isso não acontece, não existe coesão social, porque a sociedade se converteria numa espécie de bolhas impermeáveis. E acrescentou: tem que haver um fio que vá passando por todas as bolhas, e um desses fios é a língua.
Vivint i Aprenent foi a agulha que criei pra passar o fio – a língua catalã – pelas bolhas.
Graças às redes sociais, por meio de V&A terei a oportunidade de transmitir informações sobre a língua a lusófonos espalhados por todo o globo. Estou começando, mas já tem gente acompanhando minhas postagens, pessoas dos Estados Unidos, México, Chile, Brasil, e isso irá crescendo. Como vocês podem ver no vídeo da Truita de patates, contarei com a participação de catalães em várias ocasiões.
Então seus convidados serão somente os catalães?
Não! A participação dos catalães é para que quem estiver aprendendo comece a se familiarizar com a pronúncia correta das palavras. Nesse vídeo que mencionei, também tive o privilégio de contar com a participação da Jessi, que é francesa, e conhece bem a língua catalã, pois estudou filologia na UB (Universitat de Barcelona).
Então somente os quem têm domínio da língua participarão.
Não! Também haverá a participação de pessoas que estão aprendendo. Eu, por exemplo, nunca fui a uma escola pra aprender catalão, e sou consciente de que tenho algumas limitações. Por isso, o projeto conta com a colaboração da filóloga Laia Albiol, que faz as revisões textuais tanto do espanhol, quanto do catalão. Abro um parênteses pra dizer que, se vocês encontrarem algum erro, a culpa é toda minha no momento de fazer as edições, e não da Laia.
Se você tem tanto interesse pela língua, por que nunca foi a uma escola?
Do ano 2006 ao 2013, por falta de tempo. Eu morava com a Montserrat, e passava 24 horas com ela. A Montse faleceu no dia 3 novembro de 2013, aos 95 anos. Foi quando me mudei pra Barcelona. A partir de 2014, o não ir a uma escola foi proposital. Pra fomentar um aprendizado coletivo em V&A, eu me posiciono como aprendiz. Neste ano, começarei a estudar em um curso presencial, desde o nível básico, pra corrigir os erros que cometo, e compartilharei tudo aquilo que considerar relevante, para que as outras pessoas se interessem em aprender e se matriculem nos cursos também. Quero mostrar quais são as atividades extraclasse feitas, como o contato com pessoas de outras nacionalidades pode ser enriquecedor em um contexto educativo… Tudo que eu posto em V&A é e será uma consequência de haver me colocado, antes, na pele do aprendiz.
Às vezes, uma palavra em catalão pode ser parecida com alguma do português, ou do espanhol, mas têm significados diferentes. Por isso, nas fotos, eu destaco uma palavra em catalão, e nas fotos seguintes, destaco a tradução correta da mesma palavra em português e em espanhol, para que possamos evitar os falsos cognatos. Um exemplo: em catalão, um xicot, traduzido ao português é namorado. Um chicote em português, é um fuet em catalão, ou seja, o que é usado para bater em animais. Se o lusófono ou hispanofalante tiver alguma dúvida sobre ao que estou me referindo em catalão, basta olhar as fotos seguintes com as palavras no seu idioma pra entender. A ideia é economizar tempo que se perderia buscando a tradução. Gosto de tirar fotos e, nos perfis, compartilho o vocabulário com as imagens que vou fazendo da Catalunha.
Por favor, fale um pouco sobre esses perfis de V&A.
Como o nicho é o vocabulario, isso me abre um leque de opções, pois posso falar sobre tudo que quiser sem perder o foco.
Em Tasta Mots, enriqueceremos o vocabulário no contexto de gastronomia. Sou vegetariana, por isso as receitas preparadas em casa seguirão essa linha, mas também haverá apresentação de pratos típicos da Catalunha quando começar a visitar os restaurantes com os meus convidados. Que fique claro que o objetivo do projeto é adquirir conhecimento, e como em toda cultura, a gastronomia catalã tem um vínculo importante com a língua. Há uma frase que é um dos muitos exemplos que poderia mencionar: Lligar els gossos amb llonganisses, que traduzido ao português seria: “Amarrar os cachorros com salsicha”. Essa frase em catalão significa desfrutar de grande abundância e bem estar, de poder fazer grandes despesas.
Catalunya al cor é o perfil onde fomentaremos o turismo em Barcelona, Girona, Tarragona e Lleida, ao mesmo tempo em que enriqueceremos o nosso vocabulário de diversas formas. Haverá outros perfis.
Como as pessoas podem participar?
Existem várias formas que irei explicando nos perfis. No caso das publicações no feed, é muito fácil. Sempre destaco uma palavra acompanhada do artigo correspondente. Que outras palavras com seus respectivos artigos poderiam ser mencionadas? Essa imagem poderia ser descrita com algum poema catalão? Você tem alguma dica legal de turismo que já fez nesse lugar? Alguma recordação que gostaria de compartilhar? Se for uma foto publicada no Tasta Mots, quais comentários você poderia fazer a respeito do que foi publicado? Te faz lembrar de algum ditado popular? Resumindo, se você gosta do que é publicado, clique no coração. Se você acha que pode contribuir com alguma informação, adicione seu comentário abaixo, porque outras pessoas o lerão. Se você considera que a informação pode ser útil para outras pessoas, compartilhe as postagens. Se o que foi publicado for algo que acrescenta algum valor pra você, e você gostaria de recordar depois, guarde a informação no seu perfil clicando na bandeirinha que há no canto inferior direito da postagem.
A ideia é fomentar um aprendizado coletivo, e todos nós, sem exceção, temos muito a compartilhar e muito a aprender. Às vezes, nos fechamos ao aprendizado porque o associamos somente ao fato de ir a uma escola quando, na realidade, ele pode e deve ser uma ação constante para o nosso próprio bem. Hoje é o dia de aprender algo novo porque estamos rodeados de informações. Esses conhecimentos prévios facilitarão nossa passagem por uma escola se tivermos a oportunidade.
Tudo isso que você está apresentando tem um custo… Hoje você recebe algum tipo de subvenção?
Não. Eu registrei V&A na Oficina Espanhola de Patentes e Marcas, porque terei muitas despesas, e o dinheiro para manter o projeto sairá do próprio projeto. Uma das formas será por meio de parcerias com empresas que entendam a dimensão e abrangência do que estou fazendo, e como elas poderão ser beneficiadas com isso. Como falei anteriormente, a busca por enriquecer o vocabulário me abre um leque de opções. Em Tasta Mots, por exemplo, posso divulgar uma infinidade de produtos. Quantas empresas especializadas em queijo existem aqui? E no Brasil? Posso fazer uma junção do conteúdo do projeto com o marketing digital, e tudo isso será compartilhado em Facebook, Instagram, Twitter e YouTube.
Você poderia nos explicar um pouco sobre seu terceiro projeto a favor da língua?
Sim! O terceiro serão ramificações que sairão de V&A, esse é outro motivo pelo qual o registrei. Como sou brasileira, o projeto começa voltado ao público lusófono, ou seja, além do Brasil, posso me dirigir a pessoas de Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Guiné Equatorial, São Tomé e Principe e Timor Leste, que são países que têm o português como língua oficial, em que a soma de todos equivale a mais de 286 milhões de habitantes.
Todas as vezes que viajo pela Catalunha, faço muitas fotos e vídeos. Esse material será usado nas postagens. Depois que tiver apresentado um pouco de tudo para que as pessoas tenham uma boa ideia do que é o projeto, escolherei pessoas de outras nacionalidades para formarem parte da equipe. Teremos perfis de V&A em catalão/espanhol, catalão/inglês, catalão/francês, catalão/alemão, catalão/italiano… até alcançarmos o total das 24 línguas que são oficialmente reconhecidas na União Europeia. Segundo a pesquisa que fiz em IDESCAT (Institut d’Estadística de Catalunya), na Catalunha existe uma representação importante de pessoas que falam essas línguas. As pessoas escolhidas não terão o trabalho de fazer todas as fotos e vídeos que fiz, porque tenho um arquivo bem ordenado das postagens onde faremos a alterações que forem necessárias.
Um projeto como o seu é de grandes dimensões, e desde já te parabenizo. É raro isso, raríssimo! Sabemos que, na Catalunha, há mais de 21.000 brasileiros. Como você vê a inserção dos seus compatriotas na Catalunha? Você percebe interesse e esforço por parte deles em aprender sobre o lugar onde moram? Se você pudesse dizer alguma coisa a esses brasileiros, o que diria pra ajudá-los?
Sempre dizemos, em tom de brincadeira, que o brasileiro precisa ser estudado, por ser muito esperto diante de algumas dificuldades. Na sua grande maioria, o brasileiro é um povo sofrido que aprendeu a rir das próprias desgraças. Acredito que isso nos transformou em pessoas fortes, resilientes e determinadas a focar na superação. Quando nos propomos fazer algo, só Deus pode nos parar. Tiramos forças de onde, aparentemente, não existem mais. Não sou melhor que nenhum deles, não tenha a menor dúvida que existem brasileiros aqui muito mais capacitados que eu, mas penso que a diferença só está no foco, no que cada um considerou importante priorizar. Todas essas pessoas têm uma história, um motivo pelo qual vieram parar aqui. Posso afirmar com toda certeza que jamais chegou ou chegará um compatriota meu na Catalunha com um sentimento de aversão ao lugar que eles mesmos escolheram pra morar. Isso não tem nexo! Conheço muitos brasileiros que têm interesse em aprender a língua, e acabam passando pela mesma experiência que passei, e que explico no livro Ajudeu-me, mas que acabam desistindo, se sentem desanimados. Só é preciso reavivar essa chama porque “somos brasileiros e não desistimos nunca“.
Você poderia apresentar 10 motivos para incentivar essas pessoas a aprenderem catalão?
- Conhecimento nunca é demais.
- Segundo estudos, pessoas que estão sempre em busca de conhecimento se tornam atrativas, porque sabem falar um pouco sobre tudo, e a língua é um canal transmissor dos mais diversos tipos de informações.
- Fazer novos amigos e entender o seu mundo.
- Relacionamento amoroso com um catalão / uma catalã. Você conhecerá a família, os amigos dessa pessoa. Se você rejeitar esse aprendizado, terá dificuldade em compreender as coisas que eles falam relacionadas à cultura, às tradições, um comentário sobre tal pessoa da televisão, uma piada. Se sentirá excluído, quando poderia somar nessa conversa.
- Ao aprender catalão, você poderá auxiliar as crianças com as atividades escolares.
- Todo conhecimento adquirido te coloca um passo à frente de quem o rejeitou. Enriquece o seu currículo.
- Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.
- Você poderá participar de eventos importantes apresentados em catalão, e não se sentirá mais perdido como uma agulha em um palheiro.
- Cada vez que você aprende uma nova língua, sua mente se expande, facilitando o aprendizado da próxima.
- Quando você aprende catalão, você está ajudando a manter a língua viva, porque pode usá-la em várias ocasiões.
- Alguém pode ter falado pra você que aprender catalão não é importante. Não existe aprendizado irrelevante. Steve Jobs se matriculou em um curso de caligrafia, e pensava que nunca usaria esse conhecimento. Dez anos depois, ele aplicou tudo que aprendeu no seu primeiro modelo de computador Macintosh.
Em relação à aprendizagem de um modo geral, existem várias formas de se aprender uma língua: de forma autodidata, por meio da convivência, em uma escola… Por favor, explique um pouco sobre o que é o parla.cat que você havia mencionado anteriormente.
Parla.cat é um espaço virtual de aprendizagem da língua catalã que a Direção de Política Linguística disponibiliza a todos que queiram aprender catalão. Se a pessoa não tem noção nenhuma sobre a língua, ela encontrará quatro opções de língua pra iniciar os estudos básicos: espanhol, inglês, francês e alemão. No meu ponto de vista, é uma plataforma completa, me atreveria a dizer que é a melhor plataforma que vi até hoje de ensino de uma língua. O curso é gratuito na modalidade livre, mas se você preferir fazê-lo com um acompanhamento, existe a modalidade com um tutor, que é paga. Na página inicial, você pode clicar na opção DEMO pra ver um vídeo com a descrição de todo o conteúdo que eles disponibilizam e como funciona.
Existem muitos casos noticiados pela Plataforma per la Llengua sobre discriminação línguística? Já aconteceu alguma vez com você por usar o catalão de forma oral ou escrita?
Sim. Enviei um email em catalão, e a pessoa me respondeu com grosserias. Não fiz caso.
Como você vê a presença do catalão nos meios de comunicação? E nos rótulos de estabelecimentos e produtos em supermercados e lojas?
Não sou a pessoa mais adequada pra analisar a qualidade oral ou escrita nos meios de comunicação, mas o que posso comentar a esse respeito é que é de extrema importância que a língua seja transmitida de forma correta, porque esses meios são nossos instrumentos alternativos de aprendizado da língua. Às vezes, leio uma notícia e vejo que uma palavra foi escrita corretamente em todo o texto, mas, em alguma parte, ela aparece com uma letra fora de lugar. Isso é um erro acidental, e todos somos passíveis de erros. Digo isso porque, quando faço a edição dos vídeos, a Laia me passa os textos revisados, faço várias leituras antes de postar e, mesmo assim, há um vídeo publicado que, na parte final, tem uma palavra incorreta. Nos supermercados onde faço as compras normalmente, os produtos estão bem rotulados. Pra enriquecer o vocabulário no perfil de gastronomia (Tasta Mots), eu começarei a mostrar alguns produtos, e preciso que estejam bem rotulados. Por isso, estou fazendo uma visita prévia aos supermercados.
De que forma você poderia atuar em conjunto com as entidades que trabalham diretamente com o ensino e incentivo ao uso da língua catalã, como, por exemplo, Plataforma per la Llengua, a CAL, Associação Cultural Catalonia, (Brasil), Casal Català (Lisboa), entre tantas outras?
Algumas pessoas me perguntaram: “Como posso me inscrever no V&A pra aprender catalão?”. V&A não é um curso, é um projeto de incentivo a aprendizagem. No V&A, teremos uma noção básica da língua apresentada por professores de catalão. Quais são os artigos, as preposições, os acentos em catalão? Essas informações são úteis para que as pessoas comecem a entender as legendas em catalão. V&A nasceu pra trabalhar de mãos dadas com todas essas entidades. Como? Incluindo-as todas na criação dos conteúdos. Também posso trocar ideias com os responsáveis das outras entidades no exterior. V&A é apenas um fio condutor.
Uma década e meia morando na Catalunha dedicando tempo e esforços à criação desses projetos. Certamente, existia uma Eliana Freitas antes da Catalunha e uma Eliana Freitas agora. De que forma essa experiência te mudou como pessoa?
A Eliana Freitas do Brasil sempre foi uma pessoa sonhadora. Meus irmãos me apelidaram de “A mulher projeto”, porque eu sempre estava pensando em algo pra transformar alguma coisa, mas os sonhos geralmente eram muito maiores que os recursos disponíveis no bolso, e acabavam ficando só na imaginação mesmo. Com o passar dos anos, ela entrou numa zona de conforto onde se conformava com o previsível. Era uma pessoa que entesourava momentos com a família e com os amigos.
A Eliana Freitas de agora é uma pessoa que olha pra trás e, ao fazer uma retrospectiva mental de tudo que vivenciou desde sua chegada na Catalunha, agradece a Deus por tê-la acompanhado em todo o trajeto, por ter colocado tantas pessoas especiais no seu caminho, pessoas que a ajudaram a quebrar alguns conceitos pré-concebidos por meio de pequenos gestos. Agradece pelas vezes que enfrentou dificuldades, porque foi isso que a desafiou a superar-se. Essa Eliana ganhou força ao aprender lições de valentia, resistência e coragem com o povo que a acolheu. É uma mulher forte e determinada, que sabe exatamente o que quer e o que não quer pra si. Uma pessoa de fortes convicções, mas aberta ao diálogo, pois acredita na força do argumento. Uma pessoa dura e muito sensível, dependendo do contexto.
Você falou, Eliana, sobre seu passado e presente… O que mais podemos esperar da Eliana do futuro na Catalunha?
Na verdade, esse é o começo de uma despedida. Em 2006, eu coloquei os pés aqui como uma completa ignorante. Não conhecia Catalunha. Nos primeiros dias, me deparei com as palavras maduixa e pastanaga. Fiquei surpresa ao descobrir que existiam outros nomes pra “fresa” e “zanahoria“. Ou seja, aquelas duas palavras eram uma nova realidade que se apresentava: nesse caso, em forma de novo idioma. Essa língua despertou em mim uma paixão, a paixão por um povo porque a língua nada mais é que sua alma. Não sei quanto tempo levarei pra fazer as coisas que pretendo aqui, só sei que voltarei ao Brasil porque estou sofrendo com a ausência da minha família. Quando isso acontecer, aqui ficará um pedaço do meu coração. Por meio de V&A conhecerei lugares, histórias e pessoas que me acompanharão na memória, pra qualquer lugar aonde for.
Realmente, uma notícia que surpreende… Te desejo muita sorte na execução dos seus planos. Que tal um jogo rápido para acabar?
Obrigada, claro!
Ajudeu-me
Um grande desafio!
Catalunha
Minha casa no outro lado do oceano, pequena em dimensões territoriais e gigante em potencial.
Língua
Alma de um povo. Porta de acesso ao conhecimento.
Maduixa
Molt de gust!
Muriel Casals
“No som aquí per buscar un somni, nosaltres som el somni“
Montserrat
Carinho, proteção, atenção, cuidado… Minha eterna bebê de 95 anos.
Uma lição
Vale a pena sair da zona de conforto, pois a superação e conquista do que você se propõe a fazer são gratificantes.
Saudade
Minha família.
Um sonho
Poder realizar o sonho das pessoas que amo.
Uma experiência inesquecível
Catalunha
Um arrependimento
Ter falado por impulso em algumas ocasiões.
Um conselho
“Nunca deixe de aprender, a vida nunca deixa de ensinar”