Por Taíza Brito, jornalista e escritora
Neste 1º de outubro de 2019, quando se completam dois anos do referendo de autodeterminação da Catalunha – dia de horror para os cidadãos atacados e feridos pela polícia espanhola violentamente –, outro tipo de repressão, não menos grave, paira sobre o movimento independentista. Após as prisões pela Guarda Civil de sete pessoas, integrantes dos chamados Comitês de Defesa da República (CDRs), há uma semana, uma maquinaria se pôs em marcha não apenas para criminalizar os independentistas, mas também para tentar levar à prisão o ex-presidente Carles Puigdemont e destituir o atual presidente da Generalitat, Quim Torra.
Para quem acompanha as notícias que vêm sendo divulgadas nos últimos dias pelos meios de comunicação sediados em Madri, e alguns na Catalunha, fica bastante clara a estratégia de vincular os políticos no exílio e à frente do governo catalão ao terrorismo. Os cidadãos presos na semana passada estão sendo tratados como “pessoas perigosas dispostas a atentar violentamente para implementar a república de qualquer maneira”. Ao ler as manchetes originadas de informações filtradas de um processo que supostamente corre segredo de justiça, quem não conhece a realidade local pode pensar que a situação aqui é de extremo perigo. O que é completamente ilusório, uma vez que o movimento independentista têm-se destacado exatamente por ser pacífico e adotar estratégias de não-violência. O que os especialistas em política e direito na Catalunha comentam é que está em curso uma “operação de estado” para modificar esta imagem no exterior e poder processar Puigdemont por terrorismo.
Dentro desta categoria de acusação, a justiça espanhola poderia fazer tramitar uma nova euro-ordem de prisão contra o ex-presidente em exílio na Bélgica e finalmente ter sua entrega automática. Nestes últimos dois anos a justiça espanhola tentou por duas vezes extraditar Puigdemont, contudo esbarrou nas justiças da Bélgica e da Alemanha. No primeiro país, o pedido, que incluía mandado de busca e captura também para os ex-secretários do governo catalão Toni Comín, Lluís Puig, Meritxell Serret, foi recusado pelo Ministério Público por defeito de forma. Já na Alemanha, onde Puigdemont ficou preso alguns dias e depois alguns meses à espera da decisão da corte daquele país, foram rejeitadas as acusações de sedição e rebelião, imputadas ao ex-presidente. A justiça alemã aceitou extraditá-lo apenas por malversação de fundos públicos. O que fez a justiça espanhola recuar e retirar o pedido de euro-ordem não apenas contra ele, mas contra todos os políticos que estão exilados em outros países – Escócia, Bélgica e Suíça. Isso porque se aceitasse a entrega de Puigdemont apenas pela acusação de malversação, a Espanha estaria obrigada a retirar as acusações de rebelião e sedição imputadas aos ativistas e políticos (ex-colaboradores de Puigdemont no Parlamento e no governo), presos em território espanhol e que aguardam sentença do Tribunal Supremo (TS).
Como essa é a tese central da justiça contra os que organizaram o referendo e chegaram a proclamar a república, preferiram deixar Puigdemont livre. Contudo, a atividade do ex-presidente em diversos países europeus, onde realiza conferências em universidades e parlamentos explicando o caso catalão e denunciando a falta de diálogo, tem incomodado em muito o estado espanhol. O que faz crível a tese de que se está tentando criar um cenário de violência onde não existe. Não apenas para chegar à prisão de mais líderes independentistas, mas para ter o argumento plausível para uma nova intervenção na região.
Neste dia 1º de outubro, estão programados diversos atos na Catalunha para rememorar a data do referendo e celebrar o dia em que a cidadania enfrentou pacificamente os golpes de cassetete da polícia na tentativa de decidir o seu destino nas urnas. Foi um dia de repressão, mas também de perseverança, como relato no livro “Catalunha, entre a esperança e a tempestade” (Cepe, 2019). Em muitas partes da Europa, políticos, intelectuais e acadêmicos entendem que a questão catalã deve ser resolvida na esfera política, com diálogo. Falta que os políticos de Madri consigam enxergar isso, o que, infelizmente, parece impossível nos dias atuais.
Taíza Brito, nascida em Pernambuco, é responsável pelo site jornalístico Mundo Afora, e possui um blog, La Forastera, com textos em catalão no portal de notícias Vilaweb, um dos principais da Catalunha. Em abril de 2019, fez a primeira apresentação pública de seu livro Catalunha, entre a esperança e a tempestade, uma referência imprescindível para os leitores interessados no conflito político entre Catalunha e Espanha e nos fatos que marcaram o 1º de outubro de 2017, e serviram de inspiração para Taíza Brito. Em setembro, foi entrevistada na TV3, televisão catalã.
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