Aproxima-se o dia do anúncio das sentenças contra os líderes independentistas catalães. Um grupo que inclui dois líderes civis: Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural, e Jordi Sànchez, ex-presidente da ANC [Assembleia Nacional Catalã]. Ambos estão em prisão preventiva há quase dois anos, e aguardam uma decisão que, com alta probabilidade, será dura. Ambos estiveram envolvidos na organização do referendo de 1º de outubro de 2017. O que pensam alguns eleitores que participaram da votação? Confiram o segundo relato concedido ao Aqui Catalunha.
Quando as urnas são sinônimo de acesso à liberdade
Pere Escudé: ‘O 1º de outubro faz parte da nossa história como uma grande vitória, como um dia de união, de futuro, de luta pacífica, de povo catalão, de República!’
“Depois de três anos sem um plano de trabalho bem definido, vim para o Brasil, onde decidi alugar um apartamento. Para poder votar no dia do referendo, comprei uma passagem para ir a Terrassa.
Naquele fim de semana, havia saído pra beber com uns companheiros de Terrassa [independentistas e unionistas] em Platja d’Aro. Depois de dormir por umas 3 horas, às seis da manhã já havia gente nas ruas de Platja d’Aro. As sensações que me tomavam eram de luta, de liberdade, de construir um novo país. Finalmente dávamos um grande passo. Tinha medo de encontrar unidades policiais fechando estradas, mas a surpresa veio quando cheguei em Terrassa às 7h, e vi muitas ruas lotadas de gente. Depois de deixar o carro em casa, fui ao colégio onde iria votar. As pessoas me diziam (algumas chorando) que estavam esperando há umas duas ou três horas, e tinham visto chegar um carro e as urnas. Que emoção, as urnas finalmente chegaram aos colégios, aquilo era uma vitória!
O dia foi passando com uma certa tensão, os celulares não paravam de tocar, eram muitas as informações, vídeos e fotos que chegavam pelas redes sociais. Os que estávamos lá comentávamos o que estava acontecendo como se fôssemos velhos amigos. Sentíamos impotência, raiva e indignação, e precisávamos compartilhar tudo aquilo, como se toda aquela violência em Barcelona, Sabadell e outras cidades tivesse acontecido conosco. Era como se também tivéssemos sido agredidos pela polícia, pela Guarda Civil, e sabíamos do sofrimento dos outros. Minha família e amigos estavam bem. Minha irmã tinha dormido em um dos colégios, e me comentou que havia havido alguns empurrões, mas nada além daquilo. Mas as imagens que recebíamos de outros lugares eram de dar desespero.
Chegaram alguns Mossos [integrantes do corpo policial catalão], que foram embora depois de mais de uma hora e meia e algumas negociações. Aos poucos, a situação foi ficando menos tensa, e todos que estávamos lá conseguimos votar, apesar da queda do sistema informático.
O 1º de outubro de 2017 já faz parte da história desse país [Espanha], cheia de capítulos negros, e onde, infelizmente, ainda estamos. Mas também faz parte da nossa história como uma grande vitória, como um dia de união, de futuro, de luta pacífica, de povo catalão, de República! Naquele dia, nos comportamos como construtores de um novo país, e assim seguiremos, para finalizar esse processo de independência e, finalmente, conseguir a liberdade e a nossa desejada República Independente da Catalunha”.
Alfred Sà: ‘Eu dizia para minha esposa ir embora, que não se arriscasse. Mas ela não queria ir‘
“Um dia antes do 1º de outubro, passei por todos os colégios eleitorais, e tirei fotos. Muitos grupos de gente jovem dormiram nos centros de votação. Passaram toda a noite lá para que a polícia não chegasse para trancar os locais. Fiquei caminhando por Cardedeu até meia-noite e meia. O ambiente era espetacular. Todos tinham plena consciência de que votariam, e que defenderiam as urnas e os nossos votos.
Às cinco e meia da manhã de 1º de outubro, eu já estava de volta ao meu colégio eleitoral. Estava com um anoraque e um guarda-chuva, já chovia. Também levei água, sanduíches e frutas, pois o dia seria largo. Às oito horas, chegaram as urnas trazidas pelos moradores do município, e foi uma explosão geral de alegria. Votei lá pelas dez horas, e a minha esposa veio ao meio-dia. Lembro que havia uns jovens que nos diziam como fazer uma defesa pacífica dos colégios eleitorais, para impedir, enquanto fosse possível, que entrassem [os policiais] e levassem as urnas. Desde o início da votação, ouvia pela rádio que a Polícia Nacional e a Guarda Civil estavam entrando nos colégios com muita violência. Já estávamos nos preparando… Eu dizia para minha esposa ir embora, que não se arriscasse. Mas ela não queria ir. Foi muito valente, muito, como todas as 600 mulheres e homens de Cardedeu que estávamos naquele colégio.
Pela tarde, alguns tratores foram postos nas ruas próximas aos centros de votação. Estavam lá para trancar as ruas, e começávamos a aplaudir muito, a cantar canções catalãs, ficamos muito animados. Mas ainda estávamos preocupados, pois pensávamos que chegariam [os policiais] no final da votação, e as urnas já estariam cheias. Ficamos no colégio até as onze da noite, depois de fazer a contagem e recontagem dos votos, e de saber que, em toda a Catalunha, o resultado era de 90% a favor do SIM, aproximadamente. Foi um dos dias mais inesquecíveis. Para mim, a República está declarada, só falta que chegue o momento para o cancelamento da suspensão da declaração, e seremos um país livre”.
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