Relatório do governo da Catalunha sobre as consequências do referendo de 2017

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Em 1º de outubro, o governo catalão disponibilizou um relatório sobre todas as consequências do referendo de autodeterminação, realizado em 2017. Os dados coletados estão ligados aos fatos anteriores e posteriores à votação. O objetivo da análise foi demonstrar as variadas formas de repressão adotadas pelo governo da Espanha contra a Catalunha.

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Referendo de 2017: os dados das ações espanholas contra a organização do referendo

O documento foi dividido em seis seções: 1) Atuações contra a informação e material sobre o referendo (inspeção policial em gráficas, armazéns e meios de comunicação; intervenções na via pública até a data de realização do referendo); 2) Privacidade das comunicações postais; 3) 712 prefeitos investigados; 4) Fechamento de sites; 5) Detenção de quatorze líderes do governo e funcionários técnicos do governo; 6) referendo de 1º de outubro. Confira, a seguir, um resumo das informações referentes às seções enumeradas no relatório.

1 – Atuações contra a informação e material sobre o referendo (inspeção policial em gráficas, lojas e meios de comunicação; intervenções na via pública até a data de realização do referendo)

  • 9 de setembro, dia em que a sede do seminário El Vallenc foi ‘visitado’ pela Guarda Civil. Diante dos policiais, a manifestação pacífica dos catalães: sim à democracia

    9 de setembro de 2017: entre os dias 6 e 9 de setembro, a polícia vigiava as portas da empresa privada Impremta Indugraf Offset, inspecionando os veículos dos trabalhadores, bem como todas as vãs que entravam e saíam. Ainda no dia 9, a Guarda Civil esteve presente nas duas sedes da empresa privada do semanário El Vallenc, a fim de verificar se materiais ligados ao referendo estavam sendo produzidos. A inspeção durou 5 horas, e foram confiscados diversos documentos da empresa e o computador do diretor do semanário, Francesc Fàbregas, que recebeu ordem para prestar declarações, como investigado, na sede da Guarda Civil de Tarragona.

  • 12 de setembro de 2017: o Juizado do Contencioso Administrativo de Madrid obriga a suspender uma conferência de apoio ao referendo e ao direito de decidir. O evento havia sido organizado pelo grupo Madrileñ@s por el Derecho a Decidir, em um espaço público e autorizado pela Prefeitura de Madrid. Após uma denúncia, a conferência foi realizada em um espaço privado.
  • 13 de setembro de 2017: a Promotoria de Justiça ordenou aos policiais locais evitar a realização do referendo de 1º de outubro.
  • 14 de setembro de 2017: O Tribunal Supremo de Justiça da Catalunha (TSJC) ordenou à Guarda Civil investigar os meios de comunicação que faziam anúncios sobre o referendo. Ainda no dia 14, mais dois eventos ligados ao referendo tiveram sua realização proibida. A principal explicação para a proibição foi: ‘Qualquer ato relacionado à realização do referendo que tenha sido suspenso pelo Tribunal Constitucional deve ser considerado ilegal.’ Na mesma data, um dos representantes do governo espanhol na Catalunha, Enric Millo, disse que ‘atuariam de maneira proporcional e progressiva contra os atos de campanha e propaganda eleitoral a favor do referendo‘.
  • 15 de setembro de 2017: à petição do governo espanhol, o Juizado do Contencioso Administrativo de Vitòria-Gasteiz (no País Basco) ordenou o cancelamento de um colóquio que contaria com a participação da deputada independentista Anna Gabriel (atualmente exilada na Suíça). A proibição aconteceu por meio de invasão policial no local do evento, que já contava com muitos espectadores. No mesmo dia, a polícia vigiava e inspecionava diversas gráficas em Barcelona, Sant Feliu de Llobregat, L’Hospitalet, e Badalona, e confiscou 100.000 cartazes propagandísticos do referendo.
  • 16 de setembro de 2017: 10 ocorrências em diferentes locais da Catalunha de confiscação policial de materiais ligados ao referendo.
  • 17 de setembro de 2017: o Ministério da Segurança da Espanha informou que a Guarda Civil havia confiscado 1.300.000 cartazes que incentivavam a participação no referendo. Nesse mesmo dia, houve mais 7 ocorrências de vigia, inspeção e confiscação de materiais sobre o referendo de autodeterminação.
  • 18 de setembro de 2017: a polícia fez uma intervenção na Rádio La Mina, e informou sobre a proibição de anúncios sobre o referendo. Ainda na data de 18 de setembro, a Guarda Civil foi à sede do grupo Tot Media, em Sant Cugat del Vallès, e solicitou a presença de Ramon Grau, o presidente do grupo de comunicação. Ramon Grau recebeu um documento, escrito pelo TSJC, proibindo qualquer tipo de publicação ligada ao referendo ou, caso contrário, a desobediência “incorreria em responsabilidades penais”.
  • 20 de setembro de 2017: o Juizado de Instrução nº 13 de Barcelona ordenou, na parte da manhã, a detenção de 14 representantes e funcionários técnicos da Generalitat de Catalunya. Diversas denúncias foram feitas contra as irregularidades nas detenções: realizadas sem suficientes garantias legais e, em alguns casos, de maneira brusca e precipitada. No mesmo dia, um numeroso grupo de agentes da Polícia Nacional marcou presença diante da sede de um dos partidos independentistas, CUP, às 13h30, e tinha a intenção de entrar na sede. Os representantes da CUP solicitaram aos agentes policiais a ordem judicial, mas não havia. Os policiais permaneceram no local até 20h15. Ainda em 20 de setembro, a Guarda Civil confiscou 10 milhões de cédulas de voto em um armazém, e deteve duas pessoas. As operações policiais provocaram uma grande reação popular, com manifestações em diversas partes da Catalunha, especialmente em Barcelona, onde houve uma massiva concentração popular diante da sede do departamento de Economia e Fazenda. A Promotoria da Audiência Nacional (em Madri) interpôs uma denúncia criminal contra diversos manifestantes e os presidentes da Òmnium Cultural (Jordi Cuixart) e da Assemblea Nacional Catalana (Jordi Sánchez) por um suposto delito de sedição. Semanas depois, os dois líderes foram enviados para a prisão, de maneira incondicional.
  • 24 de setembro de 2017: a jornalista Mònica Terribas foi denunciada pela Unión de Oficiales (da Guarda Civil) por suas expressões e perguntas jornalísticas relacionadas com as informações sobre as detenções do dia 20 de setembro, e também por ter pedido aos espectadores que informassem sobre as ações policiais. No mesmo dia, começaram a ser distribuídos milhões de papéis e adesivos com as mensagens Democracia e Votamos para ser livres.
  • 25 de setembro de 2017: a universidade Sciens Po, de Paris, proibiu filmagens, fotos e gravações de áudio da conferência do conselheiro de Relações Exteriores Raül Romeva, intitulada “Autodeterminação e democracia: o caso da Catalunha“.
  • 26 de setembro de 2017: foi revelada a notícia de que a Promotoria Geral da Espanha havia ordenado investigar os diretores da televisão e rádios públicas catalãs (TV3 e Catalunya Ràdio).
  • 28 de setembro de 2017: a Guarda Civil confisca outros 100.000 anúncios de propaganda institucional do referendo. Dessa vez, na empresa Enquadernacions Rovira, em Sabadell.

2 – Privacidade das comunicações postais

Revista da Òmnium Cultural: envio censurado

O artigo 18.3 da Constituição espanhola de 1978 diz, literalmente, que “garante-se a privacidade nas comunicações e, especialmente, nas postais, telegráficas e telefônicas, exceto nos casos de resolução judicial“. Em setembro de 2017, entretanto, algumas atuações puseram em dúvida a preservação dessa privacidade.

  • 15 de setembro de 2017: A Societat Estatal de Correus i Telègrafs SA, empresa pública, tirou, sem autorização dos titulares, o lacre de segurança de um pacote enviado pela Associació de Veïnes i Veïns de l’Esquerra de l’Eixample. O item, um boletim de circulação mensal, continha um artigo sobre o referendo e o direito a votar. Seu envio foi bloqueado. Os remitentes tiveram que fazer um novo envio mediante uma empresa privada.
  • 16 de setembro de 2017: a agência Correus bloqueou o envio de uma parte da remessa da revista da Òmnium Cultural. Milhares de sócios da instituição deixaram de receber a edição, pois a capa continha a palavra “Democracia“, sob a imagem de uma mulher com a boca tapada por uma tarja vermelha.
  • 19 de setembro de 2017: seis furgões blindados da Guarda Civil foram até a sede da empresa Unipost Terrassa com a finalidade de confiscarem materiais ligados ao referendo. A intervenção seguia instruções da Promotoria da Catalunha, porém, não tinha ordem judicial, fato que levou os responsáveis da empresa a se negarem a permitir a entrada dos policiais. Muitos cidadãos se reuniram, pacificamente, diante da empresa. Às 18h, doze horas após a chegada dos furgões, o secretário jurídico do Juizado de Guarda de Terrassa compareceu ao local com uma autorização judicial. Nela, havia a ordem de abrir envelopes e confiscar materiais que pudessem ter relação com o referendo (como documentos oficiais que convocavam presidentes e membros das mesas eleitorais).
  • 29 de setembro: Correus avisou à direção do semanário L’Eco de Sitges que sua publicação não seria enviada por conter referências ao 1º de outubro.

3 – 712 prefeitos investigados

A Generalitat de Catalunya oferece seu apoio aos 712 prefeitos investigados. À frente, Carles Puigdemont (presidente da Catalunha), acompanhado por Oriol Junqueras (vice-presidente do governo) e Carme Forcadell (presidenta do Parlament de Catalunya), dois dos líderes políticos enviados à prisão.

No dia 13 de setembro de 2017, o promotor geral do Estado espanhol ordenou que 712 prefeitos catalães fossem investigados por seu suposto envolvimento com a organização do referendo. Além disso, interpôs uma acusação contra os presidentes da Associació Catalana de Municipis (ACM) e da Associació de Municipis per la Independència. No documento de acusação, era dito que os prefeitos seriam investigados e convocados para prestar declarações por “cooperarem com a realização do referendo ilegal”. Na Catalunha, existem 947 municípios. Em 712 deles, há prefeitos que correm o risco de serem suspensos da vida política.

4 – Fechamento de sites

4.1) fechamento de sites do referendo

  • 13 de setembro de 2017: a Guarda Civil foi à empresa CDMON (situada em Malgrat de Mar) e ordenou o fechamento do site referendum.cat.
  • 14 de setembro de 2017: o Tribunal Supremo de Justiça da Catalunha fechou mais dois sites ligados ao referendo.
  • 16 de setembro de 2017: a Guarda Civil tinha ordens para determinar que as companhias privadas de telefonia – Movistar, Vodafone  Orange e outras – fechassem os sites institucionais e oficiais do referendo.
  • 17 de setembro de 2017: a Fundação PuntCAT enviou uma notificação a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) informando que havia sido obrigada a fechar o site ref1oct.cat e todos aqueles que tivessem o domínio .cat relacionados com o referendo.
  • 29 de setembro: o TSJC ordenou que Google retirasse da Playstore o aplicativo que permitia saber o local de votação.
Mensagem que notificava o fechamento dos sites ligados ao referendo de autodeterminação catalã

4.2) fechamento de sites de associações e partidos políticos

  • 25 de setembro de 2017: a Guarda Civil bloqueou a página da Assemblea Nacional Catalana. A ação, porém, foi levada a cabo sem nenhuma notificação prévia. No mesmo dia, outros sites foram fechados: vullvotar.cat, alerta.cat (Alerta Solidària), empaperem.cat (que coordenava uma distribuição massiva de materiais do referendo), e impressorsperlademocracia.com (onde eram disponibilizados diversos anúncios sobre o referendo para impressão). A lista de sites bloqueados / fechados chegaria a 140.
  • 27 de setembro de 2017: a Guarda Civil fechou o site cridaperlademocracia.cat (promovido pela Òmnium Cultural, a fim de incentivar a participação no referendo), e o da campanha Pren Partit (prenpartit.cat), criado pelo partido CUP. Outros sites fechados foram webdelsi.cat, holademocracia.cat e assemblea.eu (novo site da Assemblea Nacional Catalana que havia sido criado para substituir o assemblea.cat, também fechado.
  • 29 de setembro: a Guarda Civil fechou o site Escoles Obertes, que já contava com mais de 60.000 voluntários.

5 – Detenção de quatorze líderes do governo e funcionários técnicos do governo

Jordi Cuixart e Jordi Sánchez, presidentes das entidades civis Òmnium Cultural e Assemblea Nacional Catalana, presos de forma incondicional

O Juizado de Instrução nº 13 de Barcelona ordenou, na parte da manhã, a detenção de 14 representantes e funcionários técnicos da Generalitat de Catalunya. Diversas denúncias foram feitas contra as irregularidades nas detenções: realizadas sem suficientes garantias legais e, em alguns casos, de maneira brusca e precipitada. No mesmo dia, um numeroso grupo de agentes da Polícia Nacional marcou presença diante da sede de um dos partidos independentistas, CUP, às 13h30, e tinha a intenção de entrar na sede. Os representantes da CUP solicitaram aos agentes policiais a ordem judicial, mas não havia. Os policiais permaneceram no local até 20h15. Ainda em 20 de setembro, a Guarda Civil confiscou 10 milhões de cédulas de voto em um armazém, e deteve duas pessoas. As operações policiais provocaram uma grande reação popular, com manifestações em diversas partes da Catalunha, especialmente em Barcelona, onde houve uma massiva concentração popular diante da sede do departamento de Economia e Fazenda. A Promotoria da Audiência Nacional (em Madri) interpôs uma denúncia criminal contra diversos manifestantes e os presidentes da Òmnium Cultural (Jordi Cuixart) e da Assemblea Nacional Catalana (Jordi Sánchez) por um suposto delito de sedição. Semanas depois, os dois líderes foram enviados para a prisão, de maneira incondicional.

6 – Referendo de 1º de outubro

Mais de 2.2 cidadãos votaram a favor da independência da Catalunha

6.1) Danos físicos e morais

Entre os dias 1º e 4 de outubro, foram atendidos 1.066 cidadãos (991 no dia 1º, data marcada pela violência policial contra os eleitores, e 75 entre os dias 2 e 4 de outubro) com diferentes tipos de danos físicos e morais: traumatismo cranioencefálico, fratura, contusões múltiplas, crise de angústia/ansiedade, arritmia, lipotimia (perda brusca de consciência), entre outros. Além deles, foram atendidos 12 agentes do corpo de segurança (9 da Polícia Nacional, 2 da Guarda Civil e 1 dos Mossos d’Esquadra). A informação foi detalhada pelo relatório publicado por CatSalut no dia 19 de outubro de 2017, intitulado “Sobre els incidents dels dies 1 al 4 d’octubre de 2017“.

Gravações da ação policial durante o referendo

A data de 1º de outubro marcou um dos eventos mais importantes na história da Catalunha. A proibição do referendo – direito previsto na Carta das Nações Unidas – deixou imagens e gravações que atacam gravemente a democracia. Confiram o vídeo.

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