Por que Catalunha e Espanha não podem jogar como Escócia e Inglaterra? Nesta nova edição da Eurocopa, escoceses e ingleses disputaram o clássico entre seleções mais antigo da história do futebol. A antiguidade do confronto, porém, não pode e nem deve se sobrepor ao tema que conecta (ou desconecta) os dois países.
Recentemente, as eleições parlamentares escocesas tiveram como vencedor o bloco independentista, liderado por Nicola Sturgeon. De acordo com a líder escocesa, sua legislatura se comprometerá com a realização de um novo referendo de independência, preferencialmente negociado com Boris Johnson, Primeiro-Ministro do Reino Unido. Logicamente, a missão não será fácil, e reserva algumas perguntas e comparações entre as possíveis respostas do líder do governo britânico e o líder do governo espanhol em 2017, Mariano Rajoy. Naquele ano, a resposta espanhola contra o referendo de autodeterminação na Catalunha esteve longe do que conhecemos por democracia.
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Mais que explicar as razões pelas quais Escócia e Catalunha buscam sua independência (em relação à parte catalã, vocês têm acesso a diversas notícias publicadas neste portal), e mais que mostrar um posicionamento a favor ou contra a independência catalã, o objetivo desta publicação editorial é expor e explicar o seguinte fato: Catalunha não pode disputar partidas oficiais de futebol, embora possua uma Federação de Futebol própria e uma seleção, por onde passaram, recentemente, alguns dos jogadores de maior renome mundial deste século, como Xavi Hernández, Sergio Busquets, Gerard Piqué e Carles Puyol.
Uma nação, uma seleção… e nenhuma partida oficial
Tal como vocês veem na imagem desta publicação, a faixa com a mensagem “Uma nação, uma seleção” é um clássico nas partidas amistosas disputadas pela Catalunha. A última delas aconteceu em 2019, contra a Venezuela, que terminou com vitória dos catalães. Na lista dos jogos disputados pela seleção catalã, há equipes como a do Brasil e da Argentina. Contra os argentinos, a Catalunha conseguiu uma expressiva vitória por 4 a 2, em 22 de dezembro de 2009. Naquele ano, a equipe catalã era comandada pelo ex-treinador do Barcelona, Johan Cruyff. A Argentina, por sua vez, tinha como treinador Diego Maradona. Contra os brasileiros, a Catalunha foi derrotada nas duas últimas partidas, ambas disputadas no Camp Nou.
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A campanha “Uma nação, uma seleção” foi lançada em dezembro de 2005 pelo presidente da plataforma Pro Seleccions, Xavier Vinyals. Conforme noticiou o portal La Vanguardia, o evento de lançamento da campanha contou com as participações, entre outras, do presidente do Barcelona (Joan Laporta), dos ex-jogadores Oleguer Presas (que disputou a lateral direita do time com o brasileiro Belletti) e Hristo Stoichkov, e do ator Joel Joan.
Se a Catalunha, assim como o País Basco e as Ilhas Baleares, é uma nação (do ponto de vista histórico-cultural), e possui uma equipe de futebol formada por jogadores de diferentes clubes, além de uma federação própria, por qual motivo não pode, por exemplo, disputar um torneio europeu contra seleções como Espanha, Itália e Alemanha? O motivo é simples: a Federação Espanhola de Futebol não autoriza que a Catalunha dispute partidas oficiais. Por isso, a seleção catalã de futebol não é reconhecida pelas entidades internacionais desse esporte.
Um claro exemplo dessa proibição foi demonstrado em 2007. Conforme relata o diário El Periódico, a Federação Espanhola de Futebol impediu que a seleção da Catalunha disputasse um amistoso contra os Estados Unidos no mês de outubro daquele ano. Prestem atenção: um amistoso, não uma partida oficial. De acordo com um porta-voz da entidade espanhola, “a proibição não teve motivos políticos ou nacionalistas, mas sim porque esse tipo de partidas amistosas é jogado em dezembro, não em outubro”. Por sua vez, a secretária geral de Esportes do governo da Catalunha, Anna Pruna, disse que os responsáveis federativos dos Estados Unidos “desejavam que a partida fosse jogada“, e que “não entendiam nada” sobre o que estava acontecendo. Entretanto, por parte dos norte-americanos, embora houvesse a vontade de disputar o amistoso contra a Catalunha, somente jogariam com uma autorização espanhola, que não houve.
Por quaisquer que tenham sido as razões, a verdade é que a atual condição política da Catalunha impede que os catalães possam disputar uma Eurocopa ou Copa do Mundo. Em 2013, o treinador de Cabo Verde, cuja seleção disputou um amistoso contra a Catalunha em dezembro daquele ano (vitória catalã por 4 a 1), afirmou que os catalães “poderiam competir contra qualquer país, porque a seleção catalã tinha ‘muitos’ dos melhores jogadores do mundo”. Para o treinador, a Catalunha “poderia lutar sem problemas por títulos europeus e mundiais”. De fato, na partida contra Cabo Verde, a seleção da Catalunha entrou em campo com estes jogadores: Kiko Casilla (Codina, 45′), Bartra (Montoya 45′), Piqué (Capdevila, 45′), Marc Valiente (Uri Rossell, 67′), Sergio Busquets (Víctor Álvarez, 45′), Víctor Sánchez (David López, 45′), Cesc Fàbregas (Sergi Roberto, 45′), Bojan (Aleix Vidal, 45′), Piti (Xumetra, 45′), Sergio García (Oriol Riera, 45′) e Jordi Alba (Tello, 45′). De todos esses jogadores, dez haviam jogado, jogavam ou jogariam no time principal do FC Barcelona, e haviam disputado ao menos uma partida pela seleção espanhola. Um detalhe: nessa lista, ficaram de fora Carles Puyol (que se aposentou no ano seguinte), Xavi Hernández e o goleiro Victor Valdés.
Em quantos esportes a Catalunha compete oficialmente?
Embora o futebol possa ser considerado o principal esporte na Catalunha, graças, sobretudo, ao FC Barcelona, o esporte é praticado de diversas maneiras pelos catalães. De acordo com informações publicadas pela plataforma Pro Seleccions, a Catalunha possui representação oficial em 21 esportes, como o futebol de salão. Mais que possui esse tipo de representação, a Catalunha disputa e ganha torneios, como os de hóquei sobre patins.
As relações de dependência entre Catalunha e Espanha diferem das relações entre Escócia e Inglaterra. Causas diferentes, configurações políticas diferentes, propostas de resolução política semelhantes, respostas astronomicamente opostas. As diferenças definem, por exemplo, que Escócia possa viajar pelo mundo para disputar torneios oficiais. A Catalunha, por sua vez, deve se contentar com partidas amistosas (disputadas uma vez por ano, e com uma programação incerta) e com os jogos da seleção espanhola.
Não é papel do portal Aqui Catalunha defender ou ser contra a independência catalã, ou opinar sobre uma reconfiguração política no Estado espanhol. Não é o nosso papel, pois nos limitamos a informar sobre a atualidade catalã, que é bastante ampla e agradável de divulgar, e com um nível extremamente alto de rigor jornalístico. Trabalhamos com fatos, sejam agradáveis ou desagradáveis. É assim que a liberdade de informação deve ser exercida. Por meio de fatos, os leitores poderão usar as informações e sua inteligência para tirar suas conclusões sobre o que é melhor para a Catalunha.
Um desses fatos é que a atual configuração política da Catalunha não permite que sua seleção jogue como a Escócia. É possível que muitas pessoas digam que “o futebol não é tão importante”. Sob alguns pontos de vista, a afirmação é correta. O outro fato, que podemos considerar de grande relevância, é que a atual configuração política da Catalunha não permite que a língua catalã seja oficialmente reconhecida na União Europeia. A falta desse tipo de reconhecimento está imbuída de uma série de preconceitos linguísticos, e constitui uma ameaça ao patrimônio linguístico (e cultural) das minorias nacionais.
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