Onde a imprensa brasileira está falhando em relação à Catalunha?

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Durante as últimas 72 horas, fizemos muitas publicações em nossa página no Facebook relacionadas às mobilizações contra a condenação aos líderes civis e políticos catalães. Diferentemente do que estamos acostumados a fazer, divulgamos um número de vídeos bem superior ao de notícias redigidas. Foi o melhor jeito de mostrar às pessoas o que realmente está acontecendo na Catalunha. Os vídeos publicados mostram os dois lados dos dias que passaram: massivas mobilizações contra a decisão do Supremo Tribunal espanhol (dia) e cenas lamentáveis de confrontos entre policiais e manifestantes (noite). Entretanto, a imprensa brasileira, em geral, tem como foco as cenas lamentáveis. Em sua esmagadora maioria de titulares, relatos e imagens, o destaque vai para as zonas em que houve choques e depredação.

É muito importante que acontecimentos tão marcantes e de relevância internacional crescente sejam divulgados com sua fachada e sua mobília, não apenas com a fachada. Acreditamos que todos estejamos conscientes de que notícias sobre atos que envolvam destruição, guerra e consequências piores vendem mais. São perversamente mais atraentes. É como se os leitores e telespectadores precisassem disso, precisassem sentir o choque em seus corpos e em suas emoções, precisassem de um estimulante para suas vidas. Não acreditam no que dizemos? Liguem a televisão e façam um passeio pelos canais, em horas diferentes do dia, e constatarão o grande número de telejornais que trazem notícias desse tipo.

Em relação à Catalunha, a fachada (os confrontos) é o grande produto a ser vendido, tanto na televisão quanto na Internet. Neste ano, já havíamos escrito uma carta aberta à TV Band por sua cobertura da greve geral na Catalunha, em fevereiro. E voltamos a escrever um texto com um propósito semelhante. Com tantas notícias que podemos publicar, por que dedicar um editorial com esse objetivo? Coincidentemente, a carta à Band e esta publicação tem uma greve geral como ponto comum.

O motivo da greve foi explicado numerosas vezes. Porém, há dois tipos de explicações: no primeiro grupo, as dos mais influentes representantes da imprensa brasileira; no segundo, as dos jornalistas independentes e veículos informativos independentes, como o Aqui Catalunha. O primeiro grupo noticia os protestos na Catalunha sem informar o que está por trás e ao redor do foco dele (os confrontos). E o que está por trás e ao redor?

Os leitores e telespectadores têm o direito de saber sobre as Marchas pela Liberdade. Em nossa página no Facebook, publicamos um considerável número de vídeos que mostram as quilométricas caminhadas dos manifestantes, que saíram de diferentes pontos da Catalunha com destino a Barcelona. Caminhadas pacíficas, com passos firmes de quem está determinado a lutar por seus direitos, com muitas vozes entoando o hino nacional catalão. As Marchas pela Liberdade foram uma das reações às sentenças. A mobilização gerada foi histórica, mas não difere das tantas outras manifestações protagonizadas pelos independentistas catalães ao longo dos últimos sete anos, especialmente desde 2017. O pacifismo dessas mobilizações fez com que elas ficassem conhecidas como La revolució dels somriures (A revolução dos sorrisos). Depois de tanta repressão, muitos independentistas começaram a criticar o “excesso de pacifismo”, e a criticar os lliristes (uma expressão usada para descrever uma pessoa que anda com um lírio na mão). Em outras palavras, surgia, aos poucos, a sensação de que seria preciso haver mais contundência, mas sem violência. Isso tem o nome de desobediência civil pacífica.

Os leitores e telespectadores também têm o direito de saber sobre o Tsunami Democrático. Trata-se do movimento que busca responder, também de maneira pacífica, mas com ações de maior efeito, à sentença contra os líderes civis e políticos catalães condenados à prisão. Lamentavelmente, esse movimento ainda não foi bem explicado na grande imprensa brasileira. Ainda mais lamentável foi a descrição feita no portal Exame: “Enquanto isso, a Justiça da Espanha investiga a organização Tsunami Democràtic por indícios de terrorismo por ter promovido a violência nos protestos independentistas realizados nos últimos dias em Barcelona e outras cidades da Catalunha”. Em primeiro lugar, o Tsunami Democrático não é uma organização, mas sim um movimento. A diferença entre “organização” e “movimento” é sutil, mas determinante. Vejamos algumas das acepções desses dois termos:

  • organização: Instituição, associação ou entidade que atua no âmbito dos interesses comuns. O dicionário Michaelis cita como exemplos de organizações a ONU, a OTAN, a OMS e ONGs em geral.
  • movimento: Série de atividades realizadas por organizações que possuem um mesmo objetivo; Evolução do pensamento artístico, histórico, filosófico etc; Tudo o que contribui para que o mundo esteja em constante modificação (posto com sentido filosófico).

Portanto, podemos dizer que uma organização é algo que poderia ser qualificado como “palpável”, “concreto”, com uma identidade institucional. Um movimento poderia ser qualificado como algo que “está no ar, sabemos que existe, mas não podemos vê-lo”. Podemos falar de Organização das Nações Unidas (que possui uma sede), mas não falamos Movimento das Nações Unidas. Isso poderia significar, por exemplo, que um grupo de jovens de diferentes países teve uma ideia, e farão atividades baseadas nessa ideia. O campo de atuação são as ruas. Podemos falar de movimentos estudantis, mas não necessariamente isso nos dá condições de citarmos uma organização, instituição ou entidade. O Tsunami Democrático, portanto, é um movimento, ele acontece nas ruas, ele é feito pelo povo para o povo, é ingovernável, é insubmisso, é feito para mudar o estado das coisas (exatamente o lema do movimento, “Mudemos o estado das coisas”, como explicamos em nossa publicação sobre o tema). Além disso, o movimento tem uma única forma de agir em vários campos: por meio do pacifismo. A descrição apresentada pelo portal Exame leva para um outro caminho, o que é reprovável.

Os confrontos e badernas na Catalunha são condenáveis. Porém, a imprensa brasileira também falha em não verificar a fundo a origem da violência, e ela não vem, precisamente, do movimento independentista catalão. Os vídeos que também publicamos em nossa página no Facebook mostram ataques injustificáveis da Polícia Nacional espanhola e dos Mossos d’Esquadra durante o dia e durante a noite. É justo, contudo, reconhecer e agradecer ao SBT, em seu principal telejornal, por ter publicado, em sua reportagem exibida no dia 18 de outubro, um trecho de um desses vídeos que publicamos. Porém, é pouco, considerando a gravidade e profundidade do tema.

Por último, gostaríamos de falar um pouco sobre as desordens que pudemos acompanhar ao longo dessa semana. Como dissemos, a destruição do patrimônio público deve ser reprovada. Qualquer ato de violência também deve ser reprovado. Os confrontos entre manifestantes e policiais precisam ser tratados com muito cuidado. Em primeiro lugar, porque o destaque informativo dado a eles tem o imenso poder de levar diversos telespectadores e leitores a pensar que o movimento pela independência da Catalunha é criminoso, violento. E estamos em condições de dizer que isso é mentira. Um grande exemplo disso são as multitudinárias manifestações de 11 de setembro. Em segundo lugar, recomendamos um vídeo do jornalista Antoni Bassa, que explica, em espanhol, os fatos que marcaram a semana de grandes manifestações na Catalunha. Em um dos momentos de sua explicação, Antoni Bassa fala sobre a possibilidade de haver membros de grupos antissistema internacionais nos episódios de confrontos e destruições, informação publicada no portal El Periódico, que apresenta o seguinte titular: “Ministério do Interior detecta anarquistas violentos alemães e franceses nos protestos em Barcelona”. Ou seja, gente que nada tem a ver com o movimento independentista catalão. Logicamente, também há independentistas, especialmente os jovens, que perderam a paciência com a situação da Catalunha na Espanha. Jovens que viram seus pais e avós, por exemplo, se manifestar pacificamente durante tanto tempo, mas sem êxito. Jovens que perderam a paciência com o governo catalão por não terem cumprido o mandato do referendo de 1º de outubro de 2017, que era declarar e sustentar a independência da Catalunha. Jovens que não querem mais viver onde os votos de mais de 2 milhões de cidadãos são ignorados, jovens que não querem mais ser acusados de atos que não cometeram, e que, mesmo assim, são detidos e presos. Jovens que querem lutar contra a injustiça de haver nove líderes civis e políticos condenados, em conjunto, a 100 anos de prisão por terem trabalhado pela realização do referendo de autodeterminação.

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