Por Raphael Tsavkko, jornalista convidado
Espanha e Catalunha têm vivido um clima de conflito aberto desde a suspensão do Estatut d’Autonomia de Catalunya (o Estatuto de Autonomia da Catalunha) em 2010 e com intensidade crescente desde a consulta não oficial para a independência em 2014 e, finalmente, com o referendo de 1 de outubro de 2017, em que a Espanha enviou milhares de policiais para a Catalunha para promover atos de violência e brutalidade contra eleitores, enquanto envia para a prisão vários líderes políticas que são amplamente consideradas prisioneiros políticos.
A queda de braço entre a Espanha e a Catalunha também envolve o campo diplomático. Após o referendo de 2017, considerado ilegal pela Espanha, as “embaixadas” catalãs no exterior foram fechadas como parte das medidas adotadas com a aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola, que praticamente suspendeu os poderes do governo catalão e passou-os para o governo central em Madrid. Estas embaixadas têm por objetivo reforçar as relações bilaterais e facilitar os acordos econômicos entre empresas catalãs e empresas de outros países. Em 2018, algumas destas embaixadas foram reabertas.
Concorrendo à vaga de Alto Representante para Relações Exteriores e a Política de Segurança, o atual Ministro das Relações Exteriores da Espanha, Josep Borrell, encontra resistência por parte das autoridades catalãs e de grupos da sociedade civil. Borrell representa a continuidade ou mesmo o ressurgimento de uma política destinada a esmagar os interesses dos catalães na sua busca de independência.
Mas antes, um pouco de história.
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Em um gesto sem precedentes, o cônsul honorário da Letônia, Xavier Vinyals, teve seu status diplomático retirado pelo Ministério das Relações Exteriores por ter colocado uma bandeira pró-independência na varanda do consulado durante a Diada, o dia nacional catalão, em 11 de setembro de 2016. Vinyals, um catalão, foi punido por se manifestar politicamente apoiando uma causa que não é ilegal na Espanha.
Em outubro de 2017, a lenda do futebol búlgaro, Hristo Stoichkov, também foi demitido de sua posição de cônsul honorário depois de criticar o então partido do governo, o PP, pela violência policial durante o referendo pela independência, acusando a polícia de ser “franquista”. O cônsul honorário das Filipinas, Jordi Puig Roches, também foi demitido de seu cargo depois de participar de protestos em 3 de outubro em Barcelona, em 2017, contra a violência policial durante o mesmo referendo.
Em fevereiro de 2018, foi a vez do Cônsul Honorário da Finlândia, Albert Ginjaume, ser demitido do seu posto após pressão do Ministério de Relações Exteriores espanhol sobre a diplomacia finlandesa. O crime de Ginjaume foi convidar o prefeito da cidade de Sant Cugat, Mercè Conesa, para um almoço com cônsules em Barcelona. O almoço fez parte de uma reunião mensal do corpo diplomático em Barcelona com a presença de figuras políticas locais. No entanto, Conesa é uma conhecida líder pró-independência, o que acabou por custar o cargo do agora ex-cônsul da Finlândia,.
A mudança de governo, com a saída do conservador PP e a entrada do PSOE, de centro-esquerda, não parece ter mudado em nada o comportamento da Espanha em relação à Catalunha. Josep Borrell não alterou a política de revogação das credenciais diplomáticas dos representantes estrangeiros, nem o conflito com outros países e líderes.
Em outubro de 2018, Fernando Turró, cônsul honorário da Grécia em Barcelona, foi afastado de seu cargo depois de pressão espanhola depois de supostamente “ofender a bandeira espanhola” por ter, em 11 de setembro, participado dos atos da Diada catalã.
A retirada das credenciais diplomáticas é uma medida extrema reservada para situações de grande conflito e em circunstâncias excepcionais e a pressão espanhola para a demissão de diversos cônsules honorários é sem precedentes. No entanto, não foram os atos mais radicais de um país que procura todas as formas asfixiar o movimento independentista catalão que, no entanto, encontrou amplo apoio internacional entre líderes políticos como o deputado finlandês Mikko Kärnä e vários deputados e membros do Parlamento flamengo.
Em setembro de 2018, um porta-voz do Parlamento flamengo, uma das regiões que compõem a Bélgica, Jan Peumans, enviou uma carta à dirigente e presa política catalã, Carme Forcadell, na qual afirma que “deter políticos durante meses é um ato vil, prova de que o governo central de Espanha não é capaz de preencher as condições para fazer parte de uma Europa democrática”.
A carta de Peumans foi tornada pública pelo seu colega de partido, Mark Demesmaeker, que no Twitter escreveu: “O Presidente do Parlamento flamengo, Jan Peumans, fez o que todos os democratas da UE deveriam fazer: dizer a Madrid a verdade inconveniente e condenar as suas práticas antidemocráticas e a sua deriva autoritária!”
As autoridades espanholas, em resposta, retiraram o status diplomático do delegado flamengo na Espanha, Mark Hebbelinck, abrindo uma crise diplomática com a Bélgica. Hebbelnick poderá continuar a trabalhar como delegado da Flandres na Espanha, mas sem status diplomático e, se for substituído por outro delegado, este também não receberá status diplomático. O ministro-presidente de Flandres, Geert Bourgeois, criticou a decisão espanhola, que ele disse ser “muito hostil”, enquanto a diplomacia belga apenas declarou que o assunto dizia respeito ao parlamento da Flandres.
Acontece que a Espanha tem procurado sufocar o nacionalismo catalão em todas as frentes possíveis. Neste exato momento, 12 líderes independentistas catalães estão aguardando suas sentenças perante o Supremo Tribunal espanhol com procuradores que buscam penas de prisão de até 25 anos por crimes como desobediência, rebelião e desvio de fundos públicos. Todos eles negam as acusações e os seus advogados afirmam que o julgamento é político.
O antigo presidente do Governo catalão, Carles Puigdemont, e outros líderes como Clara Ponsatí e Anna Gabriel estão exilados e incapazes de regressar à Espanha, onde seriam detidos e julgados pelo crime de rebelião por exercerem o que o estatuto dos seus partidos claramente afirmam e por respeitarem a vontade popular dos catalães.
O autoritarismo não é uma novidade em Espanha que pareça ainda não ter conseguido superar os métodos do período franquista e respeitar plenamente a democracia. O facto é que a Espanha tem se indisposto com vários países e age como um valentão, sem qualquer preocupação com a sua imagem internacional e, ultimamente, sem respeito pelo direito internacional. No entanto, a Espanha está prestes a ver o seu chefe diplomata ganhar um cargo que ele definitivamente não merece.
Nas palavras de Ivo Vajgl, antigo ministro de relações exteriores esloveno, “a UE e as suas instituições não podem olhar para o outro lado”.
Publicado originalmente no International Policy Digest.
Raphael Tsavkko Garcia é jornalista publicado pelo The Washington Post, Foreign Policy, WPR, PRI, Al Jazeera, The Brazilian Report, The Intercept, além de outros veículos. Também é doutor em direitos humanos pela Universidade de Deusto.
Imagem principal por Raphael Tsavkko.