Um dia após a reunião entre Torra e Sánchez, o cenário político catalão foi agitado pela mais recente decisão do juiz espanhol Pablo Llarena. O magistrado decretou uma ordem de suspensão dos cargos públicos de seis deputados do Parlament de Catalunya que haviam sido processados por seu envolvimento na realização do referendo independentista. Os afetados pela decisão de Llarena são Carles Puigdemont, Oriol Junqueras, Jordi Sánchez, Raül Romeva, Josep Rull e Jordi Turull. Para decretar essa suspensão, Llarena teve como referência o Artigo 384 bis da Lei de Ajuizamento Criminal, apropriada para casos de terrorismo. De acordo com esse Artigo, os investigados por delitos de terrorismo ou rebelião perdem o seu cargo após ter sido decretada uma ordem de prisão provisória. A decisão de Llarena, entretanto, vai de encontro ao regulamento do Parlament de Catalunya. De acordo com a legislação parlamentar da Catalunha, para que um de seus deputados seja suspenso, é necessário que a maioria absoluta parlamentar esteja de acordo. A suspensão imposta por Llarena reserva ao Parlamento da Catalunha a possibilidade de que os seis deputados suspensos sejam susbtituídos de maneira temporária por outros membros de seus respectivos partidos.
O que diz o Artigo 384 bis?
O Artigo 384 bis, que foi a base jurídica usada por Pablo Llarena em sua ordem de suspensão, estabelece o seguinte: “Uma vez o juiz tenha decretado uma ordem de prisão provisória por um delito cometido por uma pessoa integrada ou relacionada com grupos armados ou indivíduos terroristas ou rebeldes, o cargo público exercido pelo processado será automaticamente suspenso enquanto a situação de prisão durar“.
De acordo com Llarena, a suspensão também aplica-se a Carles Puigdemont e Toni Comín (atualmente exilados) já que a prisão provisória para os dois políticos foi decretada. Esse argumento, porém, é rebatido pela defesa de Puigdemont e Comín, uma vez que as autoridades alemãs e belgas decretaram ordem de liberação dos dois independentistas. Portanto, a suspensão não poderia ser aplicada.
Reações dos partidos e representantes políticos
Uma das primeiras reações à decisão de Pablo Llarena partiu de Puigdemont. O 130º presidente da Generalitat de Catalunya fez o seguinte comentário, em sua conta no Twitter: “Esta decisão descreve o nível de qualidade democrática do Estado. O voto dos cidadãos, desprezado por uma “justiça” que continua fazendo política. A República [Catalã] há de fazer valer os direitos fundamentais que a monarquia [espanhola] pisa“.
A porta-voz do partido JxCat, Gemma Geis, defendeu a necessidade “de levar ao Pleno do Parlament a decisão de Llarena para definir o futuro dos deputados”. Para a deputada Maria Sirvent, do partido CUP, “A suspensão dos deputados cabe apenas ao Parlamento catalão“. Já para a porta-voz do partido ERC, Anna Caula, “o Supremo Tribunal não deveria ter poder para modificar a representação parlamentar escolhida democraticamente nas urnas”. Por último, Elisenda Alamany, porta-voz do partido Catalunya en Comú, afirmou que “não houve violência e nem rebelião, e portanto, não pode haver suspensão dos direitos parlamentares catalães”.
O presidente do Parlament de Catalunya, Roger Torrent, declarou que “querem adulterar a maioria [independentista] no Parlament, e afirmou que “os deputados processados não estão condenados”, e que “estão na prisão ou no exílio por delitos inexistentes, acusados por um falso relato de violência”.
O que o Parlament de Catalunya pode fazer
A pergunta feita é: “Desobedecerá o Parlamento catalão à decisão de Llarena?”. Desde a chegada de Torrent à presidência do Parlament de Catalunya, optou-se por não arriscar-se. As tentativas de investidura de Puigdemont, Turull e Sánchez foram frustradas pela atuação do Supremo Tribunal da Espanha. A via unilateral para a independência havia sido descartada. Desta vez, entretanto, o partido ERC quer analisar minuciosamente a decisão de Llarena. De acordo com os membros mais próximos de Roger Torrent, que volta de Quebec nesta quarta-feira, é provável que a questão seja abordada somente nesta quinta-feira. Para que as suspensões não tenham validade, a maioria dos parlamentares [independentista] deve votar contra elas. Haveria, portanto, uma desobediência. Outro ato que poderia ser considerado uma desobediência e que, consequentemente, acarretaria em penalidades, seria delegar os votos nas sessões parlamentares. A outra pergunta a ser feita é: “Estariam os partidos independentistas dispostos a realizar essa afronta?”.
Se a suspensão temporária dos seis deputados for executada tal como prevê o decreto de Llarena, os partidos independentistas deixariam de ser maioria no Parlament. Havendo renúncia total dos seis deputados às suas respectivas cadeiras no Parlamento, nenhum deles poderia reassumi-las. A temporalidade da suspensão desafia o regulamento da Câmara catalã, já que não está previsto que deputados exerçam suas funções de modo temporário. Até que o tema seja resolvido, os partidos ERC e JxCat devem decidir como atuarão. O partido CUP, porém, tem uma postura bem decidida: a desobediência.