O texto foi escrito por Manoel Lucas, nosso correspondente na capital da Catalunha, Barcelona, no dia 16 de março deste ano. Apesar da distância entre a produção original e sua publicação no site, vale a pena conhecer um pouco da história da cidade, que viveu episódios negros na década de 30 do século XX.
Bombardeios a Barcelona
“A partir de hoje, diversos atos e eventos irão lembrar o terrível bombardeio a Barcelona feito pelos aviões Saboia-Marchetti SM81 e SM79 Sparviero da aviação fascista italiana em 16 de março de 1938, iniciado às 22:08h, e se estendendo por 40 horas e 55 minutos. Foram quase 45 mil kg de projéteis lançados, matando 551 pessoas e ferindo outras 1.151. Foram destruidos 76 edifícios integralmente e 96 parcialmente. A ação foi comandada pessoalmente por Mussolini, que a denominou de martelada, numa alusão à obrigação da que teria a força aérea de bombardear a cidade a cada duas horas de intervalo com o único propósito de deixar a população desorientada e em polvorosa. Aquela ação criminosa representou o primeiro bombardeio massivo à uma população civil acima de um milhão de habitantes; e num país que não estava em guerra com a Itália. Coincidindo com o início do bombardeio, será apresentado o primeiro ato recordatório com um “mapeamento” de luz e som que será exibido na fachada da Prefeitura nos dias 16 (hoje), 17 e 18 de março. No CCM de “El Born” será apresentado de julho a dezembro outro momento das celebrações do bombardeio com uma exposição “Uma infância sob as bombas“, onde se poderá observar os efeitos do bombardeio sobre as criaturas que sobreviveram.
Não deixa de ser curioso que a mesma cidade que impulsiona esses atos de memória continua a ter uma rua com o nome de Aviador Franco. Está na área da Marina do Porto. Por outro lado, a sinalização de vários espaços únicos que receberam o impacto das bombas também está sendo planejada. Serão colocadas duas placas em alusão aos lugares onde duas figuras desempenharam um papel decisivo na defesa da cidade, sendo um deles Ramon Parera, promotor e designer dos refúgios antiaéreos, e Manuel Muñoz, conselheiro municipal, que também foi uma das figuras-chave na construção e organização desses refúgios antiaéreos.
Quando o exército franquista entrou em Barcelona, em 26 de janeiro de 1939, Barcelona havia sido bombardeada em 118 ocasiões desde o início da guerra civil. Mas nos últimos 300 anos, já se podiam contar seis ocasiões nas quais Barcelona teria sido atacada com bombardeios massivos, o que eleva a uma média de um bombardeio a cada meio século, referência que sempre fez o catedrático Gregorio Peces-Barba, reitor fundador da Universidade Carlos III de Madrid. Atribui-se ao general Espartero (Duque de la Victoria) a seguinte frase: “Há que se bombardear Barcelona a cada 50 anos para mantê-la nos trilhos“.
Na “Guerra dels Segadors”, em 1651, Barcelona foi bombardeada em várias ocasiões com o fim de acabar com a resistência dos catalães e caíram sobre a Cidade Condal mais de 6.000 bombas. Em 25 de agosto e 15 de setembro de 1705, durante a Guerra da Sucessão, Barcelona que estava ocupada pelas tropas borbônicas, foi acossada pela artilharia aliada e repetidamente bombardeada até que finalmente o vice-rei Velasco aceitou capitular, e o arquiduque Carlos tomou posse da capital catalã.
De novo foi bombardeada em 1842 pela artilharia instalada em Montjuïc pelo general Espartero, num bombardeio que durou quase 13 horas com o objetivo de castigar a sublevação civil dos barceloneses contra a política livre-cambista do governo espanhol. No bombardeio caíram sobre a cidade 1.014 projeteis, foram destruídos 460 edifícios e morreram uns trinta cidadãos.
Em 1843, o general Prim de Reus voltou a utilizar a artilharia contra Barcelona. Havia sido nomeado governador e teria que enfrentar a rebelião dos famintos contra os conservadores, revolta que foi chamada Jamància (palavra de origem caló que significa faminto). Para tomar posse, Prim usou a expressão catalã “o faixa o caixa” que significava que “ou receberia a faixa de general ou o ataúde”. Depois de dois meses de assedio à cidade pacificou-a, deixando um terço dos edifícios destruídos.
Em 1909, durante a chamada Semana Trágica, na qual a população se revoltara contra o imposto cobrado para a guerra de Marrocos, Barcelona foi objeto da artilharia militar contra as barricadas dos insurgentes, especialmente nas ruas do Casc Antic.
Em 6 de Outubro de 1934, quando Lluis Companys declarou a República Catalã, as tropas militares comandadas por Batet dispararam um obús contra o edifício da Generalitat. Mais obuses ainda seriam empregados pelo exército para submeter os emboscados no edifício do Cadci, na Rambla, onde morreram os independentistas Jaume Compte, Manuel González Alba y Amadeu Bardina.
Em 30 de janeiro de 1938, aconteceu um bombardeio à praça Sant Felip Neri, e os moradores, bem como alunos e professores de um colégio que havia ali, se refugiaram no subsolo da igreja para proteger-se das bombas. Duas delas caíram na praça matando 42 pessoas, sendo a maioria crianças. Os refugiados da igreja morrem pela expansão dessas bombas que chegou ao subsolo. As bombas de janeiro de 1938 deixaram marcas profundas na cidade e principalmente na memória coletiva dos barceloneses. As feridas abertas naquele dia não foram esquecidas e nem escondidas. As marcas desta tragédia estão expostas aos nossos olhos nas paredes da igreja e do colégio de Sant Felip Neri.
Mas nenhum bombardeio se compara àquele iniciado em 16 de março de 1938, hoje fazendo 80 anos. Foi o último… mas só parou por conta da reprimenda do Papa Pio XI em nota oficial ao General Franco, um sanguinário que comandou durante quarenta anos uma repressão violenta aos republicanos espanhóis com a benção da igreja.”