Banc de Reus: a história de uma revolução e ataque à Catalunha

    Banc de Reus: a história de uma revolução e ataque à Catalunha
    Banc de Reus: a história de uma revolução e ataque à Catalunha

    Reus, município localizado na província de Tarragona, foi palco de um dos capítulos mais importantes da história da Catalunha no século XX. Nesta publicação, os leitores terão acesso a detalhes que ligam o Banc de Reus (Banco de Reus) à história da Revolução Industrial na Catalunha. A entidade bancária representou, também, uma época em que o governo espanhol afundou o sistema financeiro catalão. A matéria original, escrita pelo historiador Marc Pons, pertence à revista Viu a Fons, 38ª edição, publicada em janeiro de 2018.

    Banc de Reus: quando o governo espanhol afundou o sistema financeiro catalão

    A história do Banc de Reus é a da Revolução Industrial na Catalunha. A transformação social, econômica e cultural mais transcendente da história moderna e contemporânea da Catalunha. A que mudou para sempre a fisionomia de um país que, em meados dos anos 1800, passou do modelo rural e agrário para o modelo urbano e industrial. O Banc de Reus, fundado em 1861, e cujas portas foram fechadas em 1931, é uma das caras – não tão conhecidas – da Revolução Industrial catalã. É, também, a história de uma traição: a dos poderes políticos e econômicos espanhóis à burguesia catalã comprometida com a regeneração política e a modernização econômica da Espanha e com o autogoverno da Catalunha.

    Reus, Paris, Londres

    Gas Riusense, fábrica de gás fundada em 1854 / Foto: Universitat de Barcelona
    Gas Riusense, fábrica de gás fundada em 1854 / Foto: Universitat de Barcelona

    No ano de 1861, há 157 anos, Reus era a capital demográfica, econômica e cultural do sul da Catalunha. Com 30 mil habitantes, era a segunda cidade do Principat, somente superada por Barcelona, com 250 mil habitantes. A cidade de Tarragona tinha 18 mil; Tortosa, 16 mil; Valls tinha 14 mil. Lleida e Girona, duas das outras capitais provinciais catalãs, tinha 20 mil e 16 mil habitantes, respectivamente. O crescimento demográfico de Reus, que em pouco mais de um século havia multiplicado por quinze a sua população, estava diretamente relacionado à sua força econômica. Reus era uma cidade industrial que havia absorvido uma corrente migratória muito importante, procedente das comarcas de Priorat e Conca de Barberà, e em menor medida, de Pla de Lleida e das Terres de l’Ebre.

    Reus era o segundo núcleo industrial da Catalunha, depois de Barcelona. Sua indústria abrangia todos os setores da fabricação, e tinha especial protagonismo os setores de bebidas alcoólicas e tecidos. A aguardente era o principal produto, e durante décadas, Reus tinha como grandes mercados Paris e Londres. A indústria têxtil, porém, era a que reunia a maior quantidade de mão de obra. A Fabril Algodonera, fundada em 1846 e popularmente conhecida como Vapor Nou, tinha mais de 600 trabalhadores, e no fim do século, possuía mil. Produzia 700 quilômetros em fiação de algodão por ano, e por dimensões e produção, era a segunda mais importante fábrica da Catalunha.

    A criação do Banc de Reus

    Naquele contexto, foram executadas obras que dariam um maior protagonismo a Reus, como as que originaram as ferrovias de Tarragona, Montblanc e Lleida. Para o financiamento desses e outros projetos, foi criado o Banc de Reus. O banco, a partir daquele momento, passou a ser o representante bancário da cidade e da Catalunha, a serviço de sua sociedade e da burguesia.

    Em 20 de dezembro de 1861, um grupo de industriais e comerciantes de Reus – formado por Tomàs Abelló (exportador de vinhos), Bernat Torroja (advogado), Macià Vila (industrial têxtil e banqueiro), Pere Òdena (fundador e presidente do Gas Reusense), Josep Maria Pàmies (fabricante e prefeito de Reus em várias ocasiões), Joan Grau (empresário e mecenas cultural), Tomàs Lletget (médico e presidente do Centre de Lectura), Josep Montané (advogado e comerciante), e os comerciantes Antoni Llorens, Pere Gay, Josep Pellicer, Pere Sirvent, Antoni Pascual e Marià Bellvé – se reuniram na prefeitura de Reus para decidir entre solicitar uma delegação do Banc d’Espanya ou a constituição de uma entidade de crédito local. Na primeira votação, venceu a segunda opção.

    Um banco emissor

    Banc de Reus, na Raval de Santa Anna
    Banc de Reus, na Raval de Santa Anna

    Na segunda reunião, decidiu-se pela constituição de uma sociedade anônima. No dia 3 de janeiro de 1862, foram escritos os estatutos do Banc de Reus, constituído como sociedade de crédito local e independente. Dos 141 acionistas iniciais, 116 eram de Reus, 22 de Barcelona, 1 de Tarragona, 1 de Bilbao e 1 da comarca de Priorat. De acordo com os novos estatutos, o Banc de Reus se dedicaria a descontar, girar, emprestar, administrar contas-correntes, executar cobranças, receber depósitos, contratar com o governo e emitir papel-moeda. Entre 1863 e 1874, com a autorização do governo, emitiu papéis-moeda de curso legal.

    No dia 6 de fevereiro de 1863, abria suas portas ao público, na Raval de Santa Anna. Seis anos depois, abria a seção de caixa econômica. Em 1874, em plena crise econômica, política e sanitária, o governo espanhol enfrentava, com um critério bastante discutível, um largo processo de reordenação do setor bancário. Onze dos quinze bancos emissores desapareceram. Apenas os bancos de Barcelona, de Bilbao, de Santander e de Reus conseguiram sobreviver. O mercado bancário espanhol estava nas mãos de Bilbao e Santander. E o mercado bancário catalão, o mais potente do Estado espanhol, nas mãos de Barcelona e Reus. Esse reestruturação do mapa bancário seria o detonante de uma guerra que, seis décadas depois, prejudicaria enormemente os bancos catalães.

    A manobra política contra o Banc de Reus

    A manobra política de derrubada chegou com a República. O ano era 1931. Francesc Macià, do partido ERC (Esquerra Republicana de Catalunya), restaurou a Generalitat e proclamou o Estado catalão dentro da Confederação Ibérica. Naquele momento, o poder central de Madri começou a reagir. Indalecio Prieto, do PSOE e Ministro da Fazenda do governo da República espanhola, ordenou a imediata retirada de todos os fundos da empresa petrolífera CAMPSA, administrada pelos bancos catalães desde 1925. A desculpa de Prieto para justificar a ação foi a suposta colaboração dos bancos catalães – e da burguesia catalã – com o regime ditatorial de Primo de Rivera (1923-1930). Entretanto, a imprensa daquela época delatou que, por trás da manobra de Prieto, estava o empresário basco Horacio Echevarrieta, fundador de Iberdrola, de Astilleros Españoles e da Iberia.

    Echevarrieta tinha uma estreita ligação com os bancos de Bilbao e de Santander, além de ter uma inimizade com Evarist Fàbregas, e os irmãos Francesc e Eduard Recasens, que eram os maiores acionistas do Banc de Catalunya (um holding que, desde 1920, reunia os bancos de Barcelona, de Reus, de Tarragona e de Tortosa). Em 1929, o Banc de Catalunya havia fundado a empresa petrolífera CEPSA – para complementar CAMPSA -, provocando, assim, uma grande irritação em Bilbao e em Santander. É dito que o Banc de Catalunya e, portanto, o Banc de Reus, faliu por sua excessiva dependência do setor petrolífero. Mas o afundamento do sistema financeiro catalão foi uma manobra do Estado espanhol, com a interessada cumplicidade do setor bancário basco, para criar um clima de conflito entre a burguesia e a classe política catalãs, freando, assim, a capacidade de autogoverno almejada pelo povo da Catalunha.

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