Há exatos 50 anos, em discurso realizado na ONU, Pau Casals declarou seu amor à Catalunha: “Eu sou um catalão”. O violoncelista, nascido no município de El Vendrell (na vegueria de Penedès), já havia sido convidado a oferecer um concerto nos Estados Unidos. Entretanto, o artista catalão tinha um princípio inabalável: não se apresentaria em países que haviam legitimado o regime franquista, na Espanha. Contudo, Pau Casalls aceitou um convite do então secretário geral da ONU, Dag Hammarskjöld. Assim, o violoncelista, em 24 de outubro de 1958, tocou na Orquestra do Festival Casals. Pau Casals aceitou o convite pelo fato de a ONU ser um espaço “neutro”. O concerto foi transmitido por rádio para mais de quarenta países.
Naquele concerto de 1958, Pau Casals defendeu a importância de uma “ação direta” contra a ameaça nuclear. O violoncelista catalão, assim, fazia um poderoso apelo à cultura da paz. Em 1960, Pau Casals escreveu uma carta de felicitação para o novo presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. Na mensagem, o artista considerou os ditadores, entre os quais estavam Francisco Franco, um “anacronismo inconcebível no caminho da liberdade, também na Espanha”.
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O discurso de Pau Casals em 1971
O pacifismo de Pau Casals era reconhecido mundialmente. Em 1970, o artista catalão retornou à sede das Nações Unidas, a convite do então secretário geral Maha Thray Sithu U Thant. O violoncelista, durante a reunião com o secretário, voltou a mostrar sua preocupação sobre a situação mundial à época, e insistiu na necessidade de “melhores condições” para as novas gerações. Essa mensagem pode ser acessada neste endereço.
Em 24 outubro de 1971, aos 94 anos, Pau Casals participou da assembleia da ONU em que, pela primeira vez na história da entidade, foi concedida a Medalha da Paz (disponível no Museu Pau Casals). Durante o ato de reconhecimento, o músico catalão fez o seguinte discurso:
“Deixem-me dizer uma coisa: eu sou um catalão. Catalunha é, hoje, uma região da Espanha, mas o que foi a Catalunha? Catalunha foi a maior nação do mundo. Vou explicar o porquê. Catalunha teve o primeiro Parlamento, muito antes que Inglaterra. Catalunha teve as primeiras Nações Unidas: no século XI, todas as autoridades da Catalunha se reuniram em uma cidade na França – naquela época, na Catalunha – para falar de paz, no século XI… paz no mundo e contra, contra, contra as guerras, a desumanidade das guerras… isso é Catalunha“.
O Canto dos Pássaros e o hino da ONU
O recebimento da Medalha da Paz e o histórico discurso de Pau Casals não foram os únicos destaques daquele dia. De fato, o violoncelista era especialmente conhecido por ter tocado, durante seu período no exílio, a canção O Canto dos Pássaros.
Essa produção musical, na verdade, é uma tradicional canção de Natal na Catalunha. O tema dessa composição, internacionalizada por Pau Casals, é a alegria da Natureza no dia do nascimento de Jesus, em Belém. O pacifismo da canção, aliado ao papel do violoncelista Pau Casals, fez com que O Canto dos Pássaros se tornasse um dos símbolos nacionais da Catalunha, tanto como o hino nacional catalão (Els Segadors) e a canção Virolai, dedicada à Virgem de Montserrat, padroeira catalã. Em nosso portal de notícias, apresentamos algumas curiosidades sobre esses símbolos religiosos e culturais da Catalunha.
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Além da interpretação de O Canto dos Pássaros, Pau Casals tocou o novo Hino da ONU, que lhe havia sido encomendado pelo secretário geral da entidade, Maha Thray Sithu U Thant. A composição criada por Pau Casals, porém, nunca mais voltou a ser tocada. O que aconteceu com a criação do violoncelista catalão?
Conforme é explicado no artigo intitulado “O inexplicável desaparecimento do hino da ONU de Pau Casals”, publicado no portal Vilaweb, a ONU qualifica a composição do artista catalão como “um hino”, mas diz “não ter um hino oficial”, como pode ser visto neste endereço, da seção de Perguntas Frequentes.
Um movimento político contra o hino?
Não há, por enquanto, uma explicação clara sobre o porquê do desaparecimento do hino composto por Pau Casals. Entretanto, no ano de 2008, em um artigo publicado no portal Diari Balears, o autor Bartomeu Mestre i Sureda afirma que “não é preciso investigar muito para saber o que aconteceu”. Embora, tal como o próprio autor escreve, “não haja uma versão oficial”, existem “indícios” de que “com movimentos diplomáticos”, Espanha conseguiu desautorizar o hino.
De acordo com o autor desse artigo no Diari Balears, as palavras de Pau Casals, que criticavam as ditaduras, não foram bem recebidas na Espanha. Vale a pena lembrar, a título de complemento informativo do portal Aqui Catalunha: o período franquista terminou apenas no ano de 1975. Tal como já publicamos neste portal, o regime ditatorial espanhol perseguia grupos ligados ao fomento da cultura e língua catalãs. Um dos claros e comprovados exemplos dessa perseguição é um trecho, documentado no Arquivo Nacional da Catalunha, de um dossiê do período de 1940 – 1941, em que era informado sobre o confiscação, por parte do regime franquista, de obras consideradas marxistas, pornográficas e em língua catalã.
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Embora não haja comprovação alguma que explique o desaparecimento do hino da ONU, a marca deixada por Pau Casals é indelével e incontestável. Ao seu estilo, internacionalizou o que é a Catalunha. Assim como ele, somos catalães.