Arde Barcelona de indignação contra dura sentença antiindependentista

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Por Flávio Carvalho, sociólogo, escritor.

“Como vai proibir quando o povo insistir em cantar?”, Chico Buarque.

Barcelona é Rosa de Fogo. Assim ficou conhecida no mundo inteiro, historicamente, pelas lutas antifascistas. Hoje, como se já não fosse mais possível, Barcelona, capital da Catalunha, acendeu nova chama. Tudo arde por aqui. No cruzamento da mais importante avenida, Passeio de Gràcia com a Av. Diagonal, gente chora de um lado, gente canta do outro, gente grita de indignação, gente anima outra gente a seguir lutando… Não para de chegar gente, por todos os lados. Vinda de todos os cantos desse pequeno grande país. Jordi Sánchez, homem de paz, admirador de Paulo Freire e das lutas do povo brasileiro, assinou meu segundo contrato de trabalho na Catalunha, quando era diretor da ONG, Fundació Jaume Bofill. Como estará hoje aquele homem doce, sorridente, pacífico, ao ser notificado que estará tantos anos numa prisão, condenado por um tribunal político? Suzana, casada com o preso político Jordi Sánchez, encontrou-se comigo na palestra que a Presidenta Dilma realizou no órgão de classe dos Advogados, o Col·legi. Com Dilma, Suzana tinha um assunto a tratar: Lula. Lawfare: judicializaçäo da política e politização da justiça. Sabia que falando de Lula estaria relacionando-o, inevitavelmente, a prisão política do seu marido – condenado hoje a uma duríssima pena de prisão por ser o Presidente de um movimento social independentista que organizou as maiores passeatas da história recente da Europa.

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São sete líderes políticos e dois representantes de movimentos sociais de base, condenados, juntos, a uma sentença de mais de cem anos de prisão. Uma sentença considerada absolutamente exagerada por juristas, líderes políticos e meios de comunicação do mundo inteiro. Basta ler as primeiras páginas dos principais jornais internacionais. Piorando o ridículo, neste mesmo dia, o Reino da Espanha gasta milhões de publicidade para reafirmar o que não precisaria: que Espanha é um estado democrático de direito e bla bla bla… A herança franquista espanhola volta a rugir seu pior nacionalismo. O Tsunami Democrático é o nome do movimento social catalão em resposta à sentença mais injusta da justiça espanhola. Uma sentença política. De vingança e tentativa de amedrontar milhões de pessoas que antes diziam: sempre quisemos a independência; agora estamos mais convencidos que temos que fazê-la. Essa é a principal diferença. Mas a estratégia clara demonstra que a luta se demonstra em duas frentes complementares, interna e externamente. Dentro da Catalunha já se assumiu: os políticos não farão a independência. Toda a esperança está na organização popular, nos movimentos sociais, na participação cidadã. Ocupar as ruas já não é algo estranho. Fará parte do cotidiano. O sistema é capitalista e se colapsa pacificamente. Em poucos dias haverá novas eleições. A Espanha está numa rua sem saída e o presidente socialista, cada vez mais de direita, foi obrigado a convocar nova eleição para o dia 10 de Novembro, por absoluta incompetência na hora de constituir seu próprio governo. A segunda ordem é internacional. Independentistas não mudarão de ideia da noite ao dia. Os defensores da sagrada unidade do Reino tampouco. Uns dirão que são maioria. Outros também. A diferença é os que defendem votar (porque sabem que ganharão). E os que não querem nem falar em votar, porque sabem que perderão. A solução poderia vir, portanto, de uma tentativa de mediação internacional. Que não sejamos ingênuos: mais interessa a quem está perdendo, desde anos atrás; a maioria do povo catalão. Aqui só se fala de sentimentos. Não se pode impor a milhões de pessoas que já não sintam o que elas hoje sentem ainda mais. Sabe um pai obrigando um adolescente a não fazer algo? A Espanha morrerá de vergonha. De vergonha de si mesma. Uma monarquia medieval só se sustenta por orgulho. Não há outra explicação racional. O contrário do orgulho é a vergonha. Internamente, na hora de dormir, reaparece. Como pensam que reaparecerá cada filho de cada preso político na hora de dormir, quando lembrar onde está sua mãe, seu pai? Hong Kong, Curitiba, Síria, Equador… Catalunha!

 


Flávio Carvalho, nascido em Recife, é um sociólogo que vive em Barcelona desde 2005. Seu perfil profissional pode ser acessado aqui. Em julho de 2019, lançou seu mais novo livro, Paraula.

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